OLGA MARIA FRANGE DE OLIVEIRA

As ruas têm alma

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 29/07/2023 às 19:25
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Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, sossegadas, trágicas, depravadas, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas, esnobes, amorosas e até mesmo ruas sem saída.

Há ruas ou praças que mudam de lugar ou trocam de nome. Foi o que aconteceu com a Praça Afonso Penna, que foi rebatizada com a denominação de Praça Rui Barbosa em 1916. Por sua vez, a antiga Praça Rui Barbosa, no alto Estados Unidos, passou a se denominar Afonso Penna. Assim como havia ruas pouco honestas no passado, mas que acabaram tomando vergonha, como a rua São Miguel, que se tornou Paulo Pontes.

Há ruas aristocráticas, que exibem seus palacetes suntuosos e atraem olhares de quem passa, como a Avenida Leopoldino de Oliveira e a Santos Dumont. Temos até ruas que homenageiam nobres do período monárquico, como a Barão da Ponte Alta, a Conde de Prados, a Barão de Ituberaba, a Marquês do Paraná e a Barão do Rio Branco.

Há ruas lúgubres, por onde passamos com um arrepio, sentindo a morte à espreita nas imediações da Avenida da Saudade.

Outras abrigam famílias inteiras, que formam uma verdadeira rede de irmãos, tios, sobrinhos, primos, avós e agregados, que os impedem de dar um único passo sem que todos os seus vizinhos venham a saber. Adeus, privacidade! É o que vemos no alto Estados Unidos, envolvendo as ruas Pires de Campos e a XV de Novembro.

Na Rua Vigário Silva ficava a Redação do jornal Lavoura e Comércio, importante vespertino que atravessou o século XX e cujo slogan era: “Se o Lavoura não deu, em Uberaba não aconteceu”. Era também na esquina da Rua Vigário Silva com a Segismundo Mendes que morava a família do professor, de origem portuguesa, Antônio Pereira de Magalhães, que legou à nossa Princesa do Sertão um elenco de artistas incomparáveis, tais como: Joaquim Gasparino, Antenógenes Magalhães, Anatólio Magalhães, Arnold Magalhães, Lino Magalhães e tantos outros.

Defronte à Catedral, na Praça Rui Barbosa, casarões guardavam a elite do passado uberabense, sobretudo os pioneiros do gado zebu. Também lá, o Jockey Club nos faz recordar os saudosos e animados carnavais do passado.

Quem nunca passou a noite em claro, ouvindo o segredo de cada rua? Quem nunca sentiu o mistério, o vício, as ideias de cada bairro? A noite vem... e o colorido das flores, a sombra das árvores, o alinhamento das ruas e canteiros... tudo se camufla e se recolhe. A alma da rua só é revelada às horas tardias. Há trechos em que a gente passa como se fosse empurrada, perseguida – são as ruas em que os nossos passos reboam, repercutem, parecem crescer, clamam, ecoam e assustam os solitários. Vagueio indefinidamente pelas ruas sossegadas... ando até cansar. Gosto de caminhar para o imprevisível da rua.

A Avenida Leopoldino de Oliveira, que até poucos anos atrás era a nossa “Avenida Paulista”, hoje foi transformada em corredor dos BRTs, com as pistas divididas por grades fixas que nos dão a impressão de aprisionamento. Nessa mesma avenida encontram-se uma dezena de bancos, lojas populares, farmácias e a agência dos Correios. Alguns de seus belos palacetes, cujas fachadas foram tombadas pelo Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico, revelam resquícios da Uberaba do passado, embora a maioria tenha sido transformada em imóvel comercial. Os endinheirados de hoje moram em condomínios fechados, distantes do centro da cidade.

Rumos de uma vida desconexa e febril! Ruas que já foram ricas e famosas e hoje são logradouros ignorados e desvalorizados no mercado imobiliário, como a Rua Arthur Machado, antiga Rua do Comércio, que durante muitos anos foi a rua mais fashion de Uberaba.

No centro da cidade, na confluência da Rua Arthur Machado com a Leopoldino de Oliveira, cidadãos apressados se misturam com gente parada nas esquinas, mocinhas olham vitrines e mendigos pedem esmolas. Meninos, mulheres, homens, velhos, moços, todo o povo desfila em seu quarteirão fechado.

A Barão da Ponte Alta, com suas casas de famílias da classe média, nos conduz ao imponente Colégio Nossa Senhora das Dores e sua bonita Capela em estilo neorromânico, além do belo casarão do Asilo Santo Antônio. Trata-se de um conjunto arquitetônico das irmãs dominicanas que compõe o quarteirão histórico da Praça Dr. Thomaz Ulhôa. Esta praça resguarda ainda o Uberaba Tênis Clube e a antiga sede da Santa Casa de Misericórdia. Ambos foram palcos de uma parte importante do passado glorioso de Uberaba.

A Avenida Fernando Costa, com sua sede da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), é o local em que a riqueza e a grandeza de Uberaba se encontram e se confundem. Segundo palavras do mestre Quintiliano Jardim, a entidade pode ser entendida como “Alfa e ômega da capital do zebu”.

Uberaba é um misto de cidade de porte médio e metrópole em ascensão. Casas de fisionomia cansada e casas arrogantes ignoram o vaivém das pessoas apressadas e o ritmo frenético dos veículos impacientes e barulhentos.

A Avenida Guilherme Ferreira assinalou o nascimento de nossa pujante Universidade de Uberaba. Sonho concretizado por Mário Palmério, um homem de visão que edificou um império educacional e deixou seu nome eternizado na história de nossa cidade.

A minha Uberaba é uma cidade de passado nobre, de que seus filhos se orgulham, num bairrismo exacerbado e muito digno. A rua fatalmente cria o seu tipo urbano. Quantos deles povoam a memória de gerações! Após muito ruminar, permaneci calada, devassando a sombra da noite e agradecendo a Deus por ter nascido nesta terra do Major Eustáquio.

Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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