Temos assistido diariamente a uma guerra fratricida pela televisão. As terríveis imagens da invasão da Ucrânia pela Rússia entram em nossos lares e nos atingem profundamente. Isso jamais aconteceu antes. As guerras eram travadas longe de nossos olhos e éramos informados pela imprensa escrita e falada, sem nenhuma vinculação pessoal.
Mais uma vez, um psicopata ocupa o poder, com o apoio de setores corrompidos e manipuladores de seu país. Opositores são assassinados e presos e a população é refém de um discurso eivado de mentiras, espalhadas pela mídia controlada por Vladimir Putin.
O que enxergamos é a repetição da passagem bíblica da luta de David contra o gigante Golias. Com sua mente distorcida, Putin manteve durante dias seguidos um grande exército fazendo manobras militares, com lançamento de mísseis de alto alcance de destruição, como um pavão que se exibe para o mundo inteiro. Tudo isso antes da invasão, quando ele afirmava que todo mundo estava delirando, que não ia ter ataque nenhum. Era só um mero treinamento sem nenhuma importância. Parecia dizer: “Vejam como sou poderoso e imbatível! Sou dono do maior exército do mundo. Não mexam comigo, senão eu aperto um botão e destruo todos vocês, idiotas do Ocidente”.
O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa sintetizou brilhantemente o seguinte pensament “O mal tem tanta visibilidade porque o bem ainda prevalece. Se fazer o bem fosse uma raridade, estaria na primeira página do jornal. O mal ainda é uma raridade, o crime é algo raro, por isso chama tanto a atenção”. Emílio Mira y López, por sua vez, afirmou: “Atrai-se mais gente para um grupo inspirando horrores do inferno do que apresentando as delícias do paraíso. O medo é uma das coisas que nos levam a agir como os outros querem que a gente aja. Entregamos a liberdade se sentimos que nossa vida está em risco”. O fato é que pessoas assustadas obedecem com mais facilidade. Sem o risco da reprovação na escola, sem o risco de ser preso pela polícia se infringir uma lei, sem o medo da punição, o bem tende a não se sustentar.
Os ucranianos ganharam a admiração de todo o mundo ocidental por seu inequívoco amor à sua pátria. A Ucrânia é uma nação que já enfrentou muitas guerras e renasceu de suas próprias cinzas. Foi Santo Agostinho que, séculos atrás, traduziu esse sentimento, quando disse: “Liberdade é poder fazer até mesmo o que não quero fazer, o que eu não gostaria de fazer, mas escolho fazer”. E eu completaria o raciocínio, dizendo o que os ucranianos diriam hoje: “Escolho lutar, a despeito de colocar minha vida em risco, para defender minha pátria, minha família, meus amigos, minhas mais lídimas convicções e a herança maior que recebi de meus antepassados, que é a maravilhosa sensação de pertencimento a um grupo, a uma etnia, a um país”.
A imagem assustadora do gigantesco comboio de mais de 60 quilômetros de tanques de guerra e armamento pesado nas mãos do Exército russo, cujos comandantes são fantoches de Putin, há dias vem aterrorizando o mundo, a passo de tartaruga, para intimidar friamente os adversários fragilizados. O ser humano perde sua dimensão divina e se bestializa. Bebês, crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias inteiras, todos são dizimados por um exército de robôs programados para matar. Rússia e Ucrânia têm uma longa e conflituosa história. A Rússia nasceu em Kiev e foram um só país, do século IX ao XII. Kiev foi a primeira capital e só depois se transferiu para São Petersburgo e, finalmente, para Moscou. A Crimeia foi doada por Nikita Krushev à Ucrânia. Na época, não tinha grande valor, mas hoje é uma península com turismo dinâmico, além de ser uma região estratégica para a Rússia, tendo, por isso, despertado o interesse de Putin, que a pegou de volta.
Não existe apagador daquilo que é feito, disse a Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen-budista do Brasil. Não há como apagar algo que fizemos e de que nos arrependemos. O que se jogou no universo no universo está. O indivíduo é a sociedade em que ele está inserido. Nós somos a vida na Terra. Estamos interligados a tudo e a todos. Tudo aquilo que falamos, pensamos e o modo como agimos fazem parte da trama da existência. O remorso e o arrependimento não eliminam as nossas ações. O sangue derramado de inocentes escreve, com tinta indelével, o mal perpetrado para que jamais possa ser olvidado pela posteridade. Assim como o nazismo jamais o foi.
Os bombardeios destroem hospitais, escolas, bibliotecas, universidades, monumentos, obras de arte, igrejas, prédios públicos e residenciais, estações de televisão, aeroportos, centrais de abastecimento de energia e água. As negociações só prosperam quando barganham com retaliações que envolvem dinheiro e perdas de altos investimentos. O vil metal importa mais que o ser humano. A comunidade internacional se uniu como nunca antes e anunciou sanções (pecado mortal???), que abalaram os alicerces dos ídolos de barro.
Que imagem inesquecível aquela da Assembleia do Conselho de Segurança da ONU, quando os representantes de mais de uma centena de países se levantaram e aplaudiram de pé a figura do líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que se agigantou como presidente ucraniano, na mesma proporção que apequenou o vaidoso e sanguinário ditador russo, há mais de vinte anos no poder. Sem falar que os dois estadistas têm o mesmo nome, escritos cada um em sua própria língua. Seria apenas coincidência? Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia...
Olga Maria Frange de Oliveira
Autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba, ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro