Quando meu pai morreu, eu chorei muito. Meus olhos permaneceram inchados por vários dias. Mas, aos poucos, o vigor da juventude...
Quando meu pai morreu, eu chorei muito. Meus olhos permaneceram inchados por vários dias. Mas, aos poucos, o vigor da juventude que pulsava em minhas veias trouxe novamente o riso e o apego à vida. Consolei-me com as doces lembranças que dele guardei num cantinho muito especial do meu coração.
Mas quando minha mãe partiu, quarenta anos depois, apesar de ela ter permanecido longos anos presa a uma cama, eu ainda não estava preparada. Foi como se um furacão se abatesse sobre mim. Tornei-me um barco à deriva ... sem bússola que me indicasse o norte. Voltei a ser criança novamente. Nas longas noites insones que se seguiram, eu a procurava com todas as forças e rezava. Dizia, baixinh “Mãe, cadê você, mãe? Deus misericordioso, devolve minha mãe só mais um pouquinho. Eu quero o seu regaço. Quero cantar junto com ela, como sempre fazíamos tantas e tantas vezes. Era com orgulho que ela dizia aos parentes e amigos que a visitavam: “A Olga Maria é afinada porque me puxou. Eu sempre tirava o tom nas missas do colégio, pois tinha voz forte e firme. A irmã Marcelina não poupava elogios e me colocava bem na frente. Eu sou cantora lírica”. Logo começava a cantar o Hino de Santa Teresinha ou o Kyrie Eleison da missa “De Angelis”. Dali a pouco estávamos, ambas, entoando o cantochão em dueto, com ela na regência. Cantava até canções árabes e traduzia a letra para os “ouvintes”. Ah! Que saudade!!! Escrevi uma crônica para ela, que foi publicada no Dia das Mães. Foi como uma catarse e ajudou-me a readquirir o equilíbrio.
Apenas dois meses depois, meu irmão foi se juntar aos nossos pais. Tive que buscar forças desconhecidas dentro de mim para lidar com mais esta perda. Ainda não me consolei. As perdas na maturidade são mais doídas e tudo parece caminhar num ritmo mais lento. Espalhei fotografias suas por toda a casa. Montei um álbum com fotos de suas últimas visitas, que folheava a todo instante. Abracei com carinho os presentes que ele me trazia, com livros, perfumes, estojos de maquiagem ... pois queria sentir novamente o calor do seu abraço fraternal ou me lembrar de momentos da intimidade familiar que permanecerão imortalizados dentro de mim. Queria, de alguma forma, reter a sua imagem em minha memória. Também escrevi uma crônica dedicada a ele, que foi publicada no dia do seu aniversário, 9 de julho, data em que completaria 66 anos. Quando escrevo, consigo lançar um pouco de luz nas sombras que me cercam.
Quem me consolará? Onde estão meus mortos? É dentro de mim que os encontro. Tenho saudade dos meus mortos e hoje sei que é verdade o que Lya Luft, minha escritora favorita, escreveu: “Depois de algum tempo aquilo que amamos e perdemos acomoda-se de outro jeito dentro de nós. Continua parte de nossa realidade. Está transfigurado, porém ainda existe”.
Cecília Meireles captou a essência da saudade quando escreveu: “Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar, possuir. Há uma saudade sábia, que deixa as coisas passarem, como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência de eternidade. É a única maneira de lhes dar permanência: imortalizá-las em amor”.
Jamais permitirei que a dor enfraqueça a minha fé. Basta lembrar que tudo morre e tudo volta a florescer, pois correm eternamente as estações da vida. Entendi que Adélia Prado tinha razão ao dizer: “Tudo é pó que sobre tudo pousa e recobre e, a seu modo, pacifica”.
Muito maior que a morte é a vida!
(*) Olga Maria Frange de Oliveira
Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba