Sábado passado, 29 de janeiro, ao correr os olhos pela internet, deparei-me com uma notícia que me entristeceu imensamente. Encontrei mensagens de pêsames pela morte da veneranda pianista e professora Dinah Pousa Godinho Mihaleff. A notícia retroagia ao dia 13 de agosto de 2021 e, portanto, lá se vão mais de cinco meses sem que eu tivesse conhecimento desta irreparável perda.
Vim a relacionar-me com D. Dinah há cerca de três anos. Ao pesquisar a vida da pianista uberabense Walmira Cardoso, encontrei o nome da renomada professora de Ribeirão Preto, Dinah Pousa Godinho, como professora de Walmira no Conservatório Musical de Ribeirão Preto, bem como no curso de aperfeiçoamento, que se estendeu por um período de dois anos após a conclusão do nono ano do curso de piano. Com o auxílio do sr. Sebastião, meu afinador de piano ribeirão-pretano, consegui o telefone de D. Dinah. A partir daí, conversamos várias vezes pelo telefone, dei-lhe de presente um exemplar do meu livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e iniciamos um período de troca de correspondências que assinalou o início de uma amizade sedimentada em afinidades comuns e admiração recíproca. Lembrei que ela me enviou um exemplar da revista de tiragem mensal – “Revide Anciènne”, de 20 de agosto de 2020, onde consta uma excelente entrevista com a pianista, aos 91 anos, com o sugestivo título “Uma Artista Luminosa”. Dinah estampa sorridente a capa da revista, tendo ao fundo seu belo piano de cauda. Desta matéria, colhi preciosas informações para traçar o perfil desta figura feminina que dedicou sua vida inteiramente ao ensino do piano.
Para Dinah, a música foi uma herança de família. Seu pai, Belmácio Pousa Godinho (1892-1980), músico natural de Piracicaba (SP), radicou-se em Ribeirão Preto em 1917, aos 25 anos. Flautista talentoso, foi compositor de cerca de 300 obras nos mais variados gêneros e teve suas composições gravadas por músicos de prestígio nacional e internacional, com Vicente Celestino, Hebe Camargo, Os Oito Batutas, Dalva de Oliveira, Alberto Semprini (pianista italiano), Dante Santoro e seu Conjunto, Gaó Gurgel e sua Orquestra Brasileira nos Estados Unidos, Roberto Inglez e sua Orquestra (na Inglaterra), Os Garridos, Orchestra Andreozzi (do Cine Odeon do RJ) e o violonista Benedito Chaves (Guru), entre outros. Ele foi proprietário também, por mais de 60 anos, de “A Musical”, o principal estabelecimento comercial especializado em artigos musicais do interior de São Paulo na primeira metade do século passado. O estabelecimento localizava-se à rua General Osório, bem no coração da cidade. Belmácio era o único comerciante a trabalhar com os pianos da marca Niendörf, vindos da Alemanha, instrumentos de excelente qualidade. Dinah sempre dizia, com orgulh “Eu nasci num berço de música”, quando ia explicar sua paixão pela arte dos sons.
Ainda criança, aos 8 anos, iniciou seus estudos de piano. Dinah diplomou-se como normalista e concluiu o curso de piano no Conservatório Musical de Ribeirão Preto. Prosseguiu seus estudos musicais cursando Licenciatura em Música e Graduação em piano na Unaerp. Foi professora de piano na Universidade de Ribeirão Preto até se aposentar, chegando a ocupar o cargo de coordenadora e chefe do Departamento de Música. Foi também professora e diretora do Colégio Técnico Musical da Associação de Ensino de Ribeirão Preto, onde iniciou suas atividades em 1954.
Ela não quis uma vida de concertista. Mais do que os palcos, a sala de aula a encantava por completo. Diversas vezes, ela declarou em seus depoimentos: “Eu não saberia fazer outra coisa na minha vida senão dar aulas de música e, principalmente, de piano erudito. É muito gratificante! Nunca quis ser concertista e me apresentar para grandes plateias. O que me fascina mesmo é ensinar. E já perdi a conta de quantos alunos passaram por minhas mãos”.
Sempre se reciclando, Dinah fez dezenas de especializações e cursos no Brasil e no exterior, conquistando mais de 50 certificados. Viajou pelo mundo, aprendendo com mestres renomados internacionalmente, que ela denominava carinhosamente de “artistas luminosos”.
Em 2000, Dinah foi convidada a ocupar a cadeira 53 da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto (Alarp), tendo como patrono o maestro Hércules Gumerato. A posse aconteceu no Teatro Bassano Vaccarini, da Unaerp.
O piano que tinha na sala do apartamento onde vivia em Ribeirão Preto era um autêntico August Förster de meia cauda, importado da Tchecoslováquia, dos muitos que vieram de navio para o Porto de Santos (SP), sob encomenda de Belmácio. Este foi, com certeza, o mais valioso presente recebido das mãos do seu querido pai e que a acompanhou ao longo de toda a sua vida. A Escola de Música “Ad Libitum”, de Ribeirão, homenageou-a dando o seu nome ao belo auditório da escola, proporcionando um momento muito significativo em seus dias outonais.
Dinah Pousa Godinho Mihaleff morreu em agosto de 2021, numa melancólica sexta-feira 13, aos 93 anos, deixando de luto o setor musical da cidade de Ribeirão Preto. Agradeço a Deus a oportunidade de privar de sua amizade antes que ela “saísse de cena”. Tenho certeza de que Walmira está agora ao seu lado, conversando sobre a sublime missão que lhes foi confiada por Deus junto à juventude.
Olga Maria Frange de Oliveira
Regente do Coral Artístico Uberabense; autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”; ex-Diretora Geral da Fundação Cultural de Uberaba; eleita para a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro