Conheço há muitos anos a família Enes Brandão. Eles eram vizinhos dos meus saudosos avós maternos, Rosa e Felício Frange, à rua Pires de Campos, no alto Estados Unidos. Como eu morei dez anos em Belo Horizonte e vinha passar as férias em Uberaba, não cheguei a criar vínculos mais fortes com nenhum dos filhos do sr. Euclides Brandão.
Minha família voltou para Uberaba na década de 1960, onde passamos a residir definitivamente. Como estive sempre envolvida com a área musical e também atuei na Fundação Cultural de Uberaba em três mandatos diferentes, tive oportunidade de me encontrar várias vezes com Henri Enes Brandão, que, durante toda a sua vida, era presença garantida nos eventos culturais. Sempre que nossos passos se cruzavam, batíamos longos papos sobre os mais diversos temas relacionados ao setor artístico uberabense.
De alguns anos para cá, nossa amizade foi se consolidando. Henri tornou-se um leitor assíduo das minhas crônicas publicadas no Jornal da Manhã. Todas as vezes que uma crônica era publicada, ele invariavelmente me ligava. Aí discutia o tema tratado e dava sugestões para outros artigos. Era muito proveitoso para mim, pois Henri conhecia tudo da Uberaba do passado e suas opiniões demonstravam conhecimento de causa.
Quando concorri a uma cadeira na Academia de Letras do Triângulo Mineiro, foi Henri que tomou a frente com muita garra, defendendo minha indicação como se fosse um irmão mais velho. Chegou a ser “acusado” de fazer “boca de urna” no dia da eleição. Quando eu soube, achei muito divertido e dei boas risadas. A princípio, pensei em repreendê-lo, mas depois entendi que tinha sido em nome de uma sincera amizade.
Sempre que vinha me visitar, nunca chegava de mãos vazias. Trazia consigo mudas preciosas para o meu jardim, que ele preparava em fundos de garrafas PET, com muito zelo. A última vez foi a muda de uma árvore florífera que enfeita o jardim do Palácio Imperial de Petrópolis. Outras vezes, aparecia com publicações da Fundação Cultural, como um álbum de figurinhas sobre o Patrimônio Ilustrado de Uberaba, que ele considerava espetacular. Espírita convicto, presenteou-me também com um resumo contendo belas ilustrações sobre as vitoriosas vidas de Eurípedes Barsanulfo ao longo de sucessivas reencarnações, incluindo valiosas informações de Chico Xavier. Guardarei comigo para sempre.
Henri Brandão gostava de andar pelos bairros de sua cidade natal. Meu marido e eu passamos inúmeras vezes por ele sem que nos visse. Ia sempre numa toada cadenciada, com seu cabelo grisalho brilhando ao sol e um olhar ensimesmado, segurando, invariavelmente, uma pequena sacola plástica.
Conhecia muito do passado de nossa cidade, amava os casarões do início do século XX, tinha talento para a arquitetura. Autodidata, construiu muitas casas em Uberaba, mesmo sem ter se formado como arquiteto, inclusive para pessoas ligadas à minha família, com o alfaiate Aluísio Ferreira e o conceituado fazendeiro Dilson Cunha Borges. Chegou a ser respeitado nessa área. Como amante das construções antigas, colecionou, ao longo de sua vida, um sem-número de objetos e detalhes ornamentais oriundos de demolições de antigos palacetes. Interessava-se também por paisagismo e gostava de realizar intervenções em locais de grande circulação de pessoas, como o Museu de Arte Sacra e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), como voluntário, pelo simples prazer de embelezar um jardim.
Ultimamente, veio sendo acometido por sucessivos problemas de saúde, em decorrência de sequelas da Covid-19. De repente, eu soube que ele partiu. Saiu de cena da mesma forma que viveu, discretamente, sem alarde. O cineasta Orson Welles dizia que “O homem nasce só, vive só e morre só. O amor e a amizade dão-nos a ilusão, momentaneamente, de não estarmos sós”. Um amigo é uma pessoa com quem a gente tem prazer em compartilhar ideias e opiniões. Vou sentir imensamente a sua falta, pois amigo não é uma casualidade, ou golpe de sorte, tampouco resultado das circunstâncias. Amigo é destino.
Meu amigo Henri Brandão, sempre me lembrarei de você ao descer a rua XV de Novembro e dobrar à esquerda para entrar na Pires de Campos, em frente à sua casa. Um trajeto que o novo traçado do trânsito local me obriga a fazer quase todos os dias. Você sempre estará nas minhas melhores lembranças. Vá em paz!!! Tenho certeza de que você está cuidando de embelezar o jardim celestial. Saudades!!!
Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”;ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro