Conheci Moacyr Laterza em 1985, quando resolvi integrar um grupo de 30 bolsistas
Conheci Moacyr Laterza em 1985, quando resolvi integrar um grupo de 30 bolsistas selecionados para fazer uma pós-graduação em “Cultura e Arte Barroca”, em nível de especialização, na Universidade Federal de Ouro Preto. Assim que cheguei à conhecida cidade histórica saí à procura do coordenador do curso, e eis que tive uma grata surpresa: o coordenador também estava à minha procura, indagando por onde passava: “Onde está a Olga, de Uberaba? Alguém conhece a Olga, de Uberaba?”. Nossa!... Será que houve algum problema na minha inscrição?, pensei. Mas não era nada disso. Ele queria me conhecer porque também era uberabense e queria me dar as boas-vindas. Foi um alívio! Soube por ele que, além de mim, tinha outra uberabense, Marília Brasileiro Teixeira Vale, uma arquiteta inteligentíssima da qual logo me tornei amiga e admiradora.
Durante os 75 dias do curso, divididos em dois módulos, todas as vezes que Moacyr subia ao palco para fazer uso da palavra, invariavelmente iniciava sua fala enaltecendo a presença de suas conterrâneas, como se fôssemos personalidades muito especiais. Era uma forma carinhosa de demonstrar o quanto estava feliz por ter ali um pedacinho de Uberaba na pessoa de duas jovens uberabenses.
E foi em Ouro Preto que descobri que Laterza era um intelectual de larga influência nos meios acadêmicos e culturais de Belo Horizonte. Doutor em Filosofia, esteta, pensador da arte, crítico de arte, professor de renome, educador, escritor e poeta.
Tinha sido ele o mentor dessa pós-graduação, dentro da sua filosofia de educação integrada às artes, em geral. Parecia um sonho! Aprender o “Barroco” numa cidade-símbolo do barroco, rodeada de obras de arte por todos os lados. Transformar as praças, ruas, ladeiras, becos, igrejas e museus ouro-pretanos numa grande sala de aula. Aprender os detalhes da arquitetura barroca em cada prédio, em cada detalhe decorativo, em cada fachada, em cada chafariz, em cada recanto da poética cidade mineira. Foi um período mágico desde a minha chegada, quando uma densa neblina envolvia a cidade, que parecia emergir do passado.
Moacyr Laterza nasceu em Uberaba em 23 de setembro de 1928, numa família de ascendência italiana. Foi excelente aluno do Colégio Marista Diocesano. Seu primeiro professor de filosofia foi, nada menos, que Monsenhor Juvenal Arduini. Partiu de Uberaba para fazer seus estudos superiores. Bacharelou-se em filosofia pela Faculdade de Filosofia de Santa Maria (RS), em 1952 e cursou licenciatura plena em Filosofia na UFMG. Mas não parou por aí! Tornou-se Mestre em Filosofia pela Universidade de Indiana (EUA) e doutorou-se pela Temple University, na Filadélfia (EUA).
Ingressou na carreira docente em 1955, tornando-se precursor dos estudos de estética na UFMG, como ferrenho defensor da interação da educação com as diferentes áreas artísticas.
Suas aulas eram brilhantes. Para falar sobre as características do estilo barroco utilizava imagens de obras representativas na pintura, escultura e arquitetura, com trilha sonora da época. Em algumas passagens, poemas inspirados eram declamados e encontravam eco em nossas emoções que estavam à flor da pele.
Como ser humano, Moacyr Laterza era uma figura contraditória: solitário e comunicativo; humilde e vaidoso; mestre e aprendiz; construía uma ideia para em seguida desconstruí-la. Seu olhar me impressionava muito, porque ele sempre olhava um ponto que me parecia o infinito. Era um olhar estranhamente voltado para dentro de si mesmo, enquanto caminhava. Estava sempre envolto numa nuvem de fumaça proveniente do inseparável cigarro que ele acendia compulsivamente.
Morava num dos bairros mais charmosos da capital mineira – a Serra. Lá, ele recebia alunos, artistas e velhos conhecidos. Vivia rodeado de telas, esculturas, discos, vídeos, fotografias e livros. Possuía uma grande biblioteca, que era sua maior riqueza. Morreu em Belo Horizonte aos 76 anos, em 13 de outubro de 2004, no Hospital Felício Roxo, vítima de câncer pulmonar.
Levarei para sempre comigo a lembrança desse ser humano sensível e amoroso, que elevou o nome da nossa Uberaba ao pódio mais alto da intelectualidade mineira. Encerro o perfil desse gigante do pensamento filosófico com sua própria definição de vida: “A minha existência é para mim uma tarefa que eu, só eu, cumpro e executo; não há quem escreva a minha vida para mim. Assim também é a obra de arte: ela registra essa estrutura, esse risco que é o da existência humana”.
(*) Pianista, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba