Quando o mês de dezembro se inicia e tudo à nossa volta tinge-se com as cores do natal, algo dentro de mim começa a despertar. Reminiscências da minha infância vêm à tona, sem que eu tenha controle sobre elas. As lembranças afloram naturalmente quando vejo as ruas ornamentadas com os símbolos natalinos e as lojas repaginadas e sedutoras, com luzes piscando e atraindo os olhares dos consumidores que se agitam freneticamente pelas ruas da cidade.
Nas casas, as árvores de natal são montadas de todos os tamanhos e formas, com muita criatividade. E as recordações de um natal muito especial que passei com minha família em 1962 inundam a minha alma de ternura, conectando os fios das lembranças e fazendo a saudade trazer o passado de volta. Naquela época morávamos na Pampulha, em Belo Horizonte, e a família estava toda reunida: pai, mãe e três filhos pequenos, respectivamente com nove, dez e onze anos de idade. Nós três acreditávamos com todas as nossas forças no Papai Noel. Mamãe jurava de pés juntos que ele existia. E, se mamãe dizia, é porque era verdade! Ela dizia: “O Papai Noel só visita as casas das crianças que acreditam nele”. E acrescentava: “É por isso que seus amigos só ganham presentes dos pais”. Era um argumento muito convincente, pois, no ano anterior, na casa do Seu Sebastião Silva, que tinha nove filhos que não acreditavam no Papai Noel, todos só ganharam um par de sapatos e nada mais. Deus nos livre!
Meu irmão, um ano mais velho que eu, começava a duvidar da existência do bom velhinho. Para dissipar suas dúvidas, mamãe trancou a porta do corredor que dava acesso aos quartos e colocou a chave no bolso do pijama dele. Dessa forma, se os presentes estivessem na árvore pela manhã, estaria comprovada a existência do Papai Noel, uma vez que ela não poderia ter acesso à sala. Mas minha mãe era muito esperta. De madrugada, pulou a janela e foi buscar os pacotes de presentes na casa do Dr. Júlio Soares, cunhado de Juscelino Kubitschek, nosso vizinho. Chegou a torcer o pé ao saltar a janela como se fosse uma menina travessa.
Jamais me esqueci do nosso encantamento quando Juninho abriu a porta e avistamos, na sala, vários presentes em cada par de sapatos. Naquele natal ganhei uma bola oficial para jogar vôlei com minhas amigas; uma bonita caixa de lápis de cor com 48 cores, que me enlouqueceu; e um jogo de víspora há muito cobiçado.
Abríamos os pacotes em alvoroço, sob o olhar amoroso de nossos queridos pais. Estava confirmado que o Papai Noel existia mesmo (ou seria Mamãe Noela?).
Muitas vezes conseguimos “fotografar” o que sentimos para transmitir aos outros uma emoção que conservamos intacta, a despeito da passagem do tempo. As pessoas precisam poder contar a história delas mesmas! A nossa vida é feita de momentos eternizados pelo amor. A saudade é filha do amor. Só permanece em nossas recordações aquilo que nos trouxe felicidade. Clarice Lispector foi muito sábia quando disse: “Se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira”.
A verdade é que jamais vou me esquecer dos dias alegres da minha infância, dias de confiança, de felicidade, de sonhos pueris, de intimidade familiar ao lado de meus pais e irmãos. Obrigada, minha mãe, por nos ensinar a sonhar e a ver o mundo com os olhos da alma!
Feliz Natal!
(*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba