Onde quer que exista uma obra de arte, temos que considerá-la parte inseparável de um universo que congrega todas as áreas...
Onde quer que exista uma obra de arte, temos que considerá-la parte inseparável de um universo que congrega todas as áreas do “fazer artístico”, representada sob a óptica do seu criador, seja ele artesão, músico, ator, pintor ou escultor.
Sabemos que cada geração faz seu próprio retrato, e o faz por meio dos mais variados elementos que constituem a atmosfera dominante da época. Com sua sensibilidade, o artista-criador interpreta o mundo que o cerca e registra um momento mágico em que criatura e criador se tornam uma unidade indissolúvel. O artista é influenciado por tudo o que lhe é acessível, tais com fatos políticos, ideias propagadas, tradições herdadas dos antepassados, formas artísticas que o cercam.
Os estilos e os “gostos” mudam a cada etapa da evolução humana. Só compreenderemos uma obra se a inserirmos no contexto de todas as áreas da atuação do homem, uma vez que estas são interligadas como a trama de um bordado. É muito comum conhecermos artistas que dominam várias formas de arte. Alguns começam numa área e, no decorrer de seu “amadurecimento” artístico, migram para novas formas de expressão. O importante é dar vazão à sensibilidade, seja em forma de música, pintura, escultura, literatura, dança ou do manuseio das agulhas ou do tear.
Assim como o artesanato não pode existir fora do contexto da sociedade, uma peça concebida pelo artesão não existe como uma produção avulsa, desconectada do contexto em que ela surgiu, pois ela pressupõe não só o artífice, mas também aquele que irá utilizá-la como peça decorativa ou utilitarista. Está, pois, aberta a todas as influências que a sociedade pode exercer, bem como às mudanças nas crenças, hábitos e costumes sociais.
Nossas tradições musicais constituem a seiva que corre pelos nossos canais históricos e espirituais e se revelam em todos os aspectos de nossa vida social, do nascimento à morte. Por lidar com uma matéria-prima abstrata, a música desnuda nosso interior mais que qualquer outra forma de arte, pois atua diretamente sobre nossas emoções.
Jamais poderíamos entender a história do artesanato em Uberaba sem abordar a contextualização musical que acompanhou essa trajetória. Nunca saberíamos interpretar os caminhos percorridos sem conhecer as influências culturais trazidas pelos imigrantes; a paixão pela viola caipira que se confunde com as raízes do Catira, dança masculina por excelência; a vocação campesina e um sentido rural para lidar com a terra e o gado; o gosto pelas toadas e modas de viola; a força da religiosidade popular que permeou essa caminhada há mais de dois séculos, presente nas Folias de Reis, Festas do Divino, Festas do Rosário e de São Benedito, com suas congadas e moçambiques.
Como já dizia Confúcio, “as palavras podem mentir, os homens podem fingir, somente a música é incapaz de nos enganar”.
(*) Olga Maria Frange de Oliveira
Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba