Dias atrás, ao tomar conhecimento da tentativa de assassinato de um candidato à presidência da República, decidi investigar se havia algum precedente na história política de nosso país. Qual não foi a minha surpresa ao me deparar com a seguinte manchete em jornal do Rio de Janeiro no ano da proclamação da República: “Atentado do dia 15 de julho de 1889”. O artigo dizia que naquela data o imperador brasileiro D. Pedro II foi vítima de um atentado a tiros ao sair do Theatro Sant’Anna, onde a família real fora assistir ao concerto de estreia da jovem violinista italiana Giulietta Dionesi, que atraíra uma verdadeira multidão ao teatro.
Ao ler o nome da violinista, lembrei-me de ter descoberto em minhas pesquisas que Giulietta estivera em Uberaba no início do século XX, em três ocasiões: a primeira em janeiro de 1902; a segunda em julho do mesmo ano, quando aqui permaneceu ao longo de todo o mês para uma série de concertos no salão nobre da Câmara Municipal. Tinha, então, 24 anos de idade, e foi literalmente “abraçada” pela classe artística local.
Em dezembro de 1906, voltou a se apresentar em nossa cidade ao lado do esposo Emílio Grossoni e artistas locais: sras. Joaquina Gomes Henking (irmã de Carlos Gomes) e Maria Ameno Ribeiro; srtas. Vera Gomes (filha de Joaquina) e Graziella Lopes; além dos srs. João Speridião e Theotonio Simões.
A figura de Giulietta Dionesi, à medida que foi saindo das sombras do passado, calou fundo em meu coração. Sua história de vida é, ao mesmo tempo, fascinante e trágica. Ela e seu irmão, Romeu Dionesi, fugiram da Itália quando ficaram órfãos de mãe. Giulietta tinha, então, 10 anos de idade e já era comparada pela crítica especializada italiana ao inigualável Paganini. Graças ao seu enorme talento, nesta idade tão precoce ela já tinha se diplomado pelo conceituado Conservatório Musical de Nápoles. Seu irmão era 11 anos mais velho e admirado como um pianista de primeira linha.
Dirigiram-se para a Espanha, onde se apresentaram em Barcelona, no Teatro Lírico local, em 6 de setembro de 1888. Giulietta, com apenas 10 anos de idade, obteve um sucesso sem precedentes. Em outubro, na cidade de Valencia, foi ovacionada pelo teatro lotado e teve que voltar ao palco cerca de 20 vezes. A cada nova apresentação ia consolidando seu prestígio e se tornando uma lenda viva. Ecos de suas performances chegavam antes dela nas cidades onde os irmãos se apresentariam. Era esperada com ansiedade, pois todos queriam ver a criança-prodígio!
Após a temporada da Espanha, foi a vez de Portugal. No ano seguinte, realizou concertos na cidade do Porto, em Lisboa e Coimbra, sempre acompanhada por Romeu. Em março de 1889, o crítico F. Couceiro do jornal “O Campeão das Províncias”, de Coimbra, fez o seguinte comentári “Desde que ela fazia vibrar a primeira nota no seu magnífico Stainer, o auditório ficava suspenso, como que arrebatado”.
Na esteira desse sucesso, os irmãos desembarcaram no Rio de Janeiro em meados de 1889. Na realidade, fugiam do próprio pai, que explorava o talento dos filhos, sobretudo Romeu, mas já de olho no prodigioso talento da filha menor. Via em ambos os filhos um belo “investimento”.
A partir de 1890, quando de sua estada em Campinas (SP), passa a ser acompanhada ao piano pelo maestro Emilio Grossoni que se torna seu empresário. A menina Giulietta tinha 12 anos, e foi recebida festivamente na estação por membros da colônia italiana ao som de uma banda musical. Uma recepção à altura de sua condição de estrela da música, com aval dos grandes centros europeus.
Infelizmente, poucos anos depois, com apenas 15 anos, Giulietta casa-se com Emílio em 1893, muitos anos mais velho. O casamento trouxe-lhe muito sofrimento e minou-lhe, gradualmente, a saúde. O Sr. Grossoni explorou seus dotes artísticos, obrigando-a a viver uma vida nômade. A exaustão das constantes viagens aliada a uma sucessão de cinco filhos consumiu, aos poucos, suas forças. O marido a obrigava a deixar os filhos para trás, em mãos de outras pessoas, numa verdadeira tortura psicológica. Que ironia do destino! A genial violinista contrariou o vaticínio de um respeitado crítico teatral de Milão que, após assistir a um concerto de Giulietta, e sob forte emoção, assim se manifestou: “Esta criatura nasceu para a arte. Não viverá senão para ela, seu único amor, e seu companheiro de vida – o violino. Permanecerá sempre só, com sua genialidade”.
Em 2 de novembro de 1911, o jornal “Lavoura e Comercio”, de Uberaba, estampa a triste notícia: “Acaba de falecer em Ouro Preto a conhecida violinista Giulietta Dionesi”. Tinha apenas 33 anos essa artista de raro valor, que criou em torno de seu nome um círculo de admiração incomum.
(*) pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-Diretora Geral da Fundação Cultural de Uberaba