Parece impossível a aproximação de dois conceitos que lidam com linguagens tão diversas!
Parece impossível a aproximação de dois conceitos que lidam com linguagens tão diversas! E, na realidade, tudo se encaixou tão perfeitamente nesse encontro que a própria vida engenhosamente tramou.
Amo os precursores, que abriram os caminhos que outros vieram a trilhar. Eles deixam seu DNA nas sementes que lançam ao longo de seu percurso. Sementes estas que germinam e frutificam nas gerações que os sucedem.
O coronel José Caetano Borges foi um precursor, um visionário, marcado por suas ações como importador, selecionador e grande difusor das raças zebuínas. Ao longo de três décadas, José Caetano conseguiu criar a primeira raça de zebu genuinamente brasileira, não existente na Índia – o Induberaba, mais conhecido como Indubrasil, surgido a partir do cruzamento das linhagens zebuínas Nelore, Gir e Guzerá.
Em maio de 1936, seu incrível feito foi avalizado pelo presidente Getúlio Vargas, que assinou um ato reconhecendo o gado criado na Fazenda Cassu como “Induberaba”. A obra máxima que veio coroar anos de investimento no melhoramento genético de nossos rebanhos.
Cecília Meireles foi muito feliz ao afirmar que: “o pioneiro não faz, obrigatoriamente, as melhores coisas, mas, às vezes, o difícil é mesmo começar – e depois que alguém deu o primeiro passo, embora nem muito seguro nem muito avançado, já o caminho pode ir ficando mais compreensível, e daí por diante a marcha se vai fazendo como por si mesma, rápida e natural”.
João Villaça Júnior (1894/1963), músico contemporâneo desse grande homem e um dos regentes mais atuantes no cenário musical uberabense na primeira metade do século XX, era amigo do conceituado criador. Resolveu, então, homenageá-lo com uma nova composição musical, a marcha intitulada “Induberaba”, cuja melodia recebeu versos de Mauro Alencar.
No manuscrito do início dos anos 30, caprichosamente elaborado, destaca-se a dedicatória: “Ao Cel. José Caetano Borges, grande pioneiro da raça indiana, oferece o autor”. O mesmo compositor já havia dedicado ao coronel e sua senhora a marcha-ragtime “14 de Setembro” no dia da comemoração de suas Bodas de Prata, em 1929 (editada pela Gráfica Musical “Compassi & Camin”- SP). Villaça Júnior é autor de vasta produção musical, incluindo peças de repercussão no Rio de Janeiro e São Paulo, com “Lábios de Mel” (samba-canção cantado por Ângela Maria na década de 50) e “Tortura da Saudade” (canção-bolero que estourou nas paradas de sucesso em disco da gravadora “Copacabana” em 1955).
A marcha “Induberaba” permaneceu sob a guarda da família por quase 90 anos. Veio à luz recentemente pelas mãos de sua neta mais velha, Ana Maria Borges Ribeiro, atualmente com 82 anos de idade. O tempo faz o que foi vivido desaparecer no esquecimento. A música anulou o tempo passado e tornou-se presente... ressurgindo do esquecimento. Os músicos responsáveis pela estreia da peça são os professores do Conservatório Estadual de Música “Renato Frateschi”: Leandro Oliveira (violinista), Carlos Perez (violoncelista) e Rafael Mariano Camilo da Silva (pianista).
Valorizando a estreia da obra, um coro formado por três gerações da família Caetano Borges somou suas vozes às de duas convidadas especiais. Participaram do cor Ana Maria Borges Ribeiro (neta), Luiz Carlos Borges Ribeiro (bisneto), Luiza Furtado Borges Ribeiro (trineta), Dahlal Helou Hueb e sua filha Martha Cristina Hueb, que há décadas mantêm laços de amizade com a família.
A bela cerimônia, coordenada pela amiga Maria Geisa de Freitas, foi realizada no dia 27 do deste mês na sede do Museu do Zebu e proporcionou momentos de rara emoção, que culminaram na doação da partitura original para o acervo permanente do museu.
José Caetano Borges e João Rodrigues Villaça Júnior são nomes que o tempo jamais apagará da memória de Uberaba, pelo valioso legado que ambos deixaram às gerações que os sucederam.
(*) Pianista, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-Diretora-Geral da Fundação Cultural de Uberaba