Meu Deus, como é triste dizer adeus! Há tantas formas de dizer adeus, porém nenhuma é mais dolorida que o adeus definitivo. Aquele que sabemos que em algum momento será dito, mas que sempre nos pega de surpresa. Mas... como assim? Como? Por quê? Ainda ontem estivemos juntas, como sempre, conversando, rindo, fazendo planos...
Lya Luft definiu admiravelmente o termo “conviver”, quando disse: “Conviver é tramar, trançar, largar, pegar, perder, e nunca definitivamente entender o que deveríamos fazer”.
Sou fruto de uma união feliz e solidamente construída baseada nos opostos que se atraem. Eudóxio de Oliveira, um pai amoroso, leal, amigo, aventureiro nos negócios, destemido nas decisões, sonhador e... sábio. Sabedoria que não veio dos estudos, pois mal cursou as duas primeiras séries do Curso Primário. Sabedoria que não se sabe de onde veio. Quem sabe de vidas anteriores? Um espírito maduro, cujo lema era: “A maior herança que vou deixar aos meus filhos é o estudo”. E isso ele cumpriu à risca. Mas deixou-nos tão cedo! Tinha apenas 53 anos. Não estava doente, mas em março de 1973 sofreu um acidente fatal, no sul do país. Dissemos adeus com a sensação de termos perdido o chão que nos mantinha de pé, e nos agarramos à força de nossa mãe. Mulher guerreira, racional, inflexível e possessiva. Tornou-se dura por medo de errar, pois teria que assumir o comando do barco que estava à deriva e conduzir seus três filhos adolescentes a um porto seguro. Para tanto, teve que se blindar com amarras consentidas que a prendiam, muitas autoimpostas. Como disse Fernando Pessoa: “Quando é que me desato dos laços que eu me dei”?
Minha mãe urdiu a trama de nossas vidas com mãos hábeis e firmes, como se se tratasse de rica tapeçaria. Não poupou esforços na confecção de sua obra. Conseguiu que nossa família permanecesse unida e que cada um de nós traçasse seu próprio caminho. Eudóxio de Oliveira Júnior elegeu a medicina como profissão e dignificou o nome que ostenta com justo orgulho. Eu, Olga Maria, encontrei na música uma legítima vocação, graças ao pulso firme de minha mãe, que me incentivou desde os seis anos de idade. Mirtes, minha irmã caçula, construiu uma vitoriosa carreira de tradutora da língua inglesa, com especialização na área médica, ingressando no mercado de trabalho após dezessete anos de dedicação exclusiva ao lar e aos seus filhos.
O passado está entranhado em nossa memória e vive em cada um de nós, herdeiros diretos do que foi realizado no tempo pretérito.
Infelizmente, a data de 31 de março de 2017 assinalou o momento da despedida definitiva de nossa mãe. Os acordes finais da vida de D. Olga Frange de Oliveira concluíram a partitura da grande “Sonata” que ela concebeu ao longo de seus quase 89 anos de vida. Mais uma vez, forçada pelas circunstâncias, descobri que precisamos de recursos internos para enfrentar a dor. A força decisiva terá de vir do nosso interior, onde se depositou a bagagem de nossas vidas. Lidar com a perda vai depender do que encontraremos ali uma vez que a tragédia faz emergir forças insuspeitadas em cada um de nós.
Plagiando a inspirada poetisa Lya Luft, diria que “no vasto oceano a minha eventual desarmonia é apenas uma gota desafinada. Mais nada!”.
Neste Dia das Mães, apenas queria dizer: “Obrigada, mamãe, pelos exemplos, pela força, pelo amor que transbordou em cada gesto. Até um dia... para não dizer adeus”. Resta-nos quanto tempo? Não sei. Rubem Alves dizia que “o relógio da vida não tem ponteiros. Só se ouve o tic-tac...”.
(*) Pianista, professora de música, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba