Às vezes, somos surpreendidos por situações inesperadas. Numa rotineira manhã do mês de abril, atendi um telefonema de uma prima muito querida, Aparecida Bessim. Prestativa como sempre, ela me transmitiu o recado de uma funcionária da igreja São Domingos. Comunicaram à referida secretária que uma senhora, que se identificou como Ana Maria, residente no Rio de Janeiro, queria muito entrar em contato comigo. Segundo esclareceu, Ana Maria adquiriu, pela Amazon, o meu livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”, lançado em 2019, onde consta a biografia de seu avô, Pedro Vieira Gonçalves, de saudosa memória. Ela queria entrar em contato comigo para agradecer essa bela homenagem que eternizaria seu inesquecível avô. Essa funcionária da igreja sabia do meu parentesco com Aparecida e recorreu a ela para que eu pudesse entrar em contato com a carioca Ana Maria Köhler.
Não demorou muito para eu bater um longo papo com Ana Maria, que se revelou uma pessoa alegre, extrovertida e amorosa. Realmente, ela era neta e afilhada de Pedro Vieira, o maior flautista que saiu de Uberaba e seguiu para a então capital do país, onde construiu uma brilhante carreira musical.
Sua irmã, Manoela Vieira do Nascimento, era esposa do maestro Carlos Maria do Nascimento, terceiro diretor da banda União Uberabense, a mais renomada banda de música do Triângulo Mineiro. Pedro viveu em Uberaba anos de sua meninice e parte de sua mocidade. Foi aluno do Colégio Marista Diocesano e, paralelamente, fez seus estudos de flauta e flautim com professores da União Uberabense, sendo que em 1904 começou a frequentar a “Artinha”, escola de teoria e solfejo do professor Eloy Bernardes Ferreira. Foi também, a partir daí, que passou a integrar o elenco da Banda da Retranca, grupo infantojuvenil, sob a regência do maestro e compositor Renato Frateschi. Em 1912, aos 24 anos, sua família transferiu residência para o Rio de Janeiro. Logo que chegou à capital, matriculou-se no Instituto Nacional de Música, dando início a uma sólida carreira de virtuose, conquistando prêmios e se firmando no cenário musical da capital da República.
Em 3 de janeiro de 1916, Pedro concluiu o Curso Superior de flauta com brilhantismo, conquistando o 1º Prêmio e sendo laureado com a ambicionada Medalha de Ouro. Estava definitivamente consagrado o seu talento musical!
Quando Pedro partiu de Uberaba, já estava de namoro com Poupée Meirelles, talentosa pianista, irmã de Maria Francisca Meirelles, conhecida pelo apelido de Rolinha Meirelles. Maria Francisca se destacou como pianista e professora em São Paulo e, posteriormente, em Campinas. Dona Odette Carvalho de Camargos, renomada professora de piano em Uberaba, foi aluna de Rolinha Meirelles na Escola de Música de Dinorá de Carvalho, na década de 1930.
O casamento aconteceu em 25 de abril de 1918, na cidade de Campinas, onde sua família passou a residir. Diocleciano Vieira, tio do noivo, foi padrinho, por parte do noivo, das cerimônias civil e religiosa. Ele era sócio da conceituada Firma “Campos, Vieira, Machado e Cia”, que trabalhava com armazenamento e beneficiamento de arroz, com escritório na rua Arthur Machado, nº 3. Chico Xavier trabalhou nesta Firma como entregador por alguns anos. Curiosamente, Diocleciano viria a ser avô da consagrada atriz Suzana Vieira.
Profissionalmente, Pedro Vieira foi professor de flauta e flautim no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro e, também, na conceituada Escola de Música Arcangelo Corelli. O ponto culminante de sua carreira foi a sua participação na Semana de Arte Moderna de 1922. O nosso flautista teve participação na abertura da programação, em 13 de fevereiro, e no encerramento do festival, em 17 de fevereiro, interpretando obras de Villa-Lobos.
Na década de 1950, Pedro Vieira passou a integrar a Banda de Pixinguinha, que vivia um excepcional momento, participando de gravações memoráveis.
Tive oportunidade de conseguir preciosas informações de sua neta Ana Maria Köhler, que não constam no livro “Pioneiros na História da Música em Uberaba”, tais como: 1- a data de sua morte, em 13 de outubro de 1976, aos 86 anos; 2- a perda de sua esposa, Maria Conceição (Poupée), em 1969, aos 74 anos; 3- o casal teve dois filhos: Alda Maria Meirelles Vieira e Pedro José Meirelles Vieira, ambos já falecidos.
Pedro Vieira integrou as melhores orquestras que atuaram nos palcos do Rio de Janeiro: Orquestra Sinfônica Nacional, Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Orquestra Sinfônica Brasileira e Orquestra da Rádio Nacional (desde a sua fundação, em 1936 até 1960).
Pude ter em mãos fotos do casal Pedro e Conceição em diferentes momentos, com a família, os filhos e netos. Até mesmo uma foto da flauta que o acompanhou por grande parte da sua vida, uma autêntica Barlassina & Billoro, fabricada em Milão. Uma verdadeira preciosidade!
Os livros nos possibilitam vivenciar momentos como esses, pois eles têm “asas” e alcançam pessoas que moram em outros estados e cidades espalhadas por este nosso país de dimensão continental, e até mesmo leitores de outros países. Recebi uma correspondência de Lisboa, de Rui Vieira Nery, musicólogo português condecorado pelo Governo de Portugal com a Ordem do Infante D. Henrique, a maior honraria outorgada em terras lusitanas. Rui, que é também coordenador do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, teceu comentários preciosos sobre a obra que muito me sensibilizaram.
Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro