ARTICULISTAS

Raymundo Henrique Des Genettes em Pirenópolis (Parte 2)

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 11/09/2023 às 18:55
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Já beirava os setenta anos o nosso Dr. Des Genettes quando chegou em Pirenópolis em 1866, disposto a fundar a primeira escola de nível secundário para jovens. O Colégio Senhor do Bonfim foi construído na cidade de Meia Ponte, futura Pirenópolis, e manteve seu funcionamento ao longo de três anos, ou seja, até 1870, quando retornou a Uberaba, passando a se dedicar à clínica médica por um período de quatro anos.

A morte de sua esposa, em 1875, na cidade de Uberaba, foi um golpe profundo, que o levou a traçar um novo rumo para sua vida. Raymundo Henrique Des Genettes resolveu deixar suas atividades no Triângulo Mineiro e partir definitivamente para Goiás, onde se ordenou padre na Matriz de Pirenópolis. Foi vigário de Ipameri (GO), Paracatu (MG) e Luziânia (GO), onde escreveria um extraordinário relato sobre a região do Distrito Federal. Sendo um empreendedor nato, fundou colégios nas duas primeiras cidades.

Era um arguto observador, e seu texto era próprio de um bom jornalista. Seu espírito jornalístico continuou em terras goianas. Publicava seus escritos regularmente nos jornais “Província de Goyaz” e “Publicador Goiano”. O carro-chefe de suas ideias nesta época era o que chamava “Estudos Pré-Históricos”, que trouxe a Des Genettes muitos dissabores devido à oposição do seu bispo, que achava o tema “heterodoxo e muito perigoso”.

Segundo Jarbas Jayme, seu biógrafo, esteve em suas mãos manuscritos de Raymundo Des Genettes onde ele defende a teoria de que a Lua teria sido arrancada da Terra por um asteroide que se chocou com ela em tempos remotos. Amostras de rochas trazidas pela Apolo 16 confirmaram a hipótese de Raymundo Des Genettes.

Este grande pensador francês, naturalizado brasileiro, cuidou da saúde de centenas de brasileiros, como médico; da alma de seus paroquianos, como sacerdote, e da paisagem do Brasil como naturalista pioneiro.

Foi também ele que mediu, pela primeira vez, a altura do Pico da Bandeira, na Serra dos Pirineus, com quase 3.000 metros de altitude, confundindo geógrafos da época, além de ter levantado as bases geológicas de Minas Gerais e do Planalto Central, num trabalho meticuloso e exemplar. Desde esta época, colaborou com artigos volumosos sobre a geologia da região para o jornal “Província de Goyaz”, editado na velha capital de Goiás. Eram proprietários deste jornal o poeta e desembargador Félix de Bulhões e o geólogo e musicista notável que foi o africano Marques Tocantins.

Des Genettes descobriu a Cidade Perdida, hoje denominada Cidade de Pedra, a Vila Velha de Pirenópolis. Achou fósseis de animais gigantes, que descreveu para o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em 1871. Sua “Descripção da Cidade Perdida da Cordilheira dos Piryneos da Província de Goyaz”, endereçada ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, foi dedicada ao Imperador, quase um arqueólogo, D. Pedro II. Neste manuscrito dizia o Dr. Raymundo Henrique Des Genettes ter descoberto nos Montes Pirínicos a Cidade Perdida dos Atlantes, cobrindo uma grande extensão de terreno, com muralhas para fortificações, largas ruas e praças, ao longo dos quais observou ruínas “muito erodidas” de estátuas, de templos gigantescos, teatros, palácios, residências e túmulos.

O notável historiador Paulo Bertran o descreveu como: “Um cara que fez de tudo um muito”, por toda uma vida voltada a descobertas, estudos e pesquisas nos mais variados setores. Perguntado, certa vez, se ele se considerava um sábio, Des Genettes nos brindou com essa resposta: “Não sou um sábio, sou apenas um simples e obscuro erudito que trabalha por amor à ciência, esforçando-me para levantar um canto do véu da natureza e melhor conhecer o Pai celeste, que se revela a nós pela perfeição de sua obra. Gostaria de levar uma pedrinha ao edifício glorioso”.

Já octogenário, Des Genettes conquistou o cargo de deputado provincial à Câmara Provincial de Goiás no biênio 1882/83, demonstrando sua enorme capacidade de mobilizar as pessoas.

Foi o minerador português Manoel Rodrigues Tomaz que fundou o Arraial de Nossa Senhora do Rosário da Meia Ponte, em 1727. O Arraial localizava-se em um vale muito fértil e aprazível, à beira do Rio das Almas, cujas margens eram riquíssimas em ouro e atraíam grande contingente de forasteiros interessados na mineração. Houve uma enchente no Rio das Almas que carregou a metade da ponte rio abaixo, dando origem à esdrúxula denominação. Em 1832, tornou-se Vila Meia Ponte, e em 1853 foi elevada à categoria de Cidade de Meia Ponte. Oficialmente, o município de Meia Ponte passou a se denominar Pirenópolis pelo Decreto Estadual nº 18, de 27 de fevereiro de 1890, por estar situada entre duas grandes elevações da Serra dos Pirineus; portanto, a nova denominação só ocorreu após a morte do padre Henrique Des Genettes.

A charmosa cidade de Pirenópolis está estrategicamente situada a 120 quilômetros de Goiânia e 150km de Brasília. O padre Raymundo veio a falecer em 1889, aos 88 anos de idade, em Santo Antônio do Cavalheiro, cidade fundada por ele, próxima de Ipameri. Eram terras novas, para onde o padre Henrique Des Genettes levara seus paroquianos pobres de Santa Luzia de Goiás. Chegava ao fim a vida de um personagem apaixonante, que deixou seu nome vinculado à cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, e à cidade de Pirenópolis, no Planalto Central, indissoluvelmente.

Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro    

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