Aurelius Augustinus nasceu em 13 de novembro de 354, em Tagaste, que fazia parte da província romana da Numídia, no norte da África, e atualmente pertence à Argélia. Sua mãe, que viria a se tornar Santa Mônica, era uma cristã fervorosa, e seu pai, Patrício, um pagão convertido ao cristianismo em seu leito de morte. Na infância, o menino foi educado pela mãe, que o familiarizou com o latim e transmitiu-lhe fielmente os ensinamentos da fé cristã. Aos 11 anos de idade, foi enviado à escola em Madaura, localizada a cerca de 30 quilômetros de sua cidade natal, onde teve contato com a literatura latina e com práticas e crenças pagãs. Lá, estudou por um período muito produtivo, no qual pôde ler e memorizar trechos de poetas e prosadores latinos, como Virgílio e Terêncio. A passagem de Agostinho pela cidade de Madaura é um marco importante em sua formação intelectual.
Aos 17 anos, Agostinho partiu para Cartago com o intuito de estudar retórica nessa cidade do norte da África, onde hoje fica a Tunísia. Criado dentro dos princípios cristãos, por conta da educação materna, foi ali que acabou assumindo posturas contraditórias à fé. Abraçou o maniqueísmo como doutrina e, na companhia de outros jovens, passou a viver no espírito hedonista, em busca de prazeres mundanos. No meio social, ainda imbuído dos costumes pagãos, o jovem seguiu uma vida depravada, que ele mesmo descreveu em suas “Confissões”.
O norte da África era uma sementeira de estudos à época. Basta lembrar os centros culturais de Cartago e Alexandria, que foram célebres na Antiguidade. Cartago era o centro comercial mais importante do Mediterrâneo Antigo e uma das cidades mais ricas do mundo clássico. A Alexandria chegou a ter a mais renomada escola catequética, fundada por volta de 190, instituição dedicada ao treinamento de teólogos cristãos e padres. Trata-se da mais antiga escola do gênero no mundo, também conhecida como Didascalium, onde os estudantes eram ensinados por professores do porte de Atenágoras, Clemente, Dídimo e o grande Orígenes, considerado o pai da teologia; além de possuir também a maior e mais completa biblioteca do mundo antigo, que mais tarde seria destruída na invasão dos bárbaros.
Mas, convidado a lecionar retórica em Mediolanum, atual Milão, na Itália, Agostinho passou a conviver com o respeitado bispo Aurelius Ambrosius (340-397). Sob a influência deste conceituado religioso, que se tornaria Santo Ambrósio, e graças às preces perseverantes e lágrimas ardentes derramadas por sua mãe, ele acabou por se converter ao cristianismo. Agostinho foi batizado na vigília pascal do ano 387, na Catedral de Milão, aos 33 anos, idade carregada de simbologia, uma vez que assinala o martírio e a crucificação de Jesus Cristo, segundo a tradição cristã.
No ano seguinte, na companhia da mãe, decidiu voltar para a África. Mônica, contudo, morreu antes de embarcar. Desgostoso diante da tragédia familiar, Agostinho decidiu vender todo o seu patrimônio e doar o dinheiro aos pobres. Manteve apenas sua casa, convertida em mosteiro. Em 391, Agostinho foi ordenado sacerdote em Hipona e, ainda em fins do século IV, foi nomeado bispo de Hipona, uma cidade na província romana da África.
Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho de Hipona, foi o patrono da ordem religiosa agostiniana e um dos responsáveis pela concepção do pensamento cristão medieval e da filosofia patrística. O período patrístico se estende desde o final do primeiro século d.C. até o século V, no Ocidente. O objetivo central dessa filosofia era defender a fé cristã e apresentar a mensagem de Jesus Cristo como única verdade e caminho para a salvação. Agostinho tornou-se o principal expoente da patrística latina, com obras como “Confissões” e “A Cidade de Deus”. Foi também bispo, escritor, teólogo e filósofo, além de ter testemunhado acontecimentos históricos de primeira ordem, tais como o fim da Antiguidade Clássica e a invasão de Roma pelos visigodos.
Santo Agostinho de Hipona é considerado “santo”, tanto pela Igreja Católica quanto pela Anglicana, e, mesmo entre os protestantes e evangélicos, é referência na história eclesiástica com seus escritos e ditos. Como se não bastasse, foi nomeado “Doutor da Igreja” em 1298 pelo papa Bonifácio VIII, título honorífico raramente concedido pela Igreja Católica. Apenas 35 religiosos fizeram jus a este título ao longo de toda a trajetória da Igreja, e suas obras são reeditadas até os dias atuais.
Ao longo de sua vida religiosa, dedicou-se às pregações, aos estudos e aos escritos, sempre mantendo um estilo frugal e ascético. Santo Agostinho foi um dos primeiros a defender a ideia de que o ser humano era a união perfeita de duas substâncias, o corpo e a alma, e esse entendimento acabou influenciando sobremaneira a filosofia que seria construída a partir de então. O tema da alma humana e, no caso, a definição mesma do ser humano como “espírito vivente” é uma constante na obra agostiniana.
Sua produção abrange dezenas de livros, a maioria jamais traduzida no Brasil. Pensador cristão, deixou um legado de 113 obras, que incluem tratados filosóficos, teológicos, comentários escritos sobre a Bíblia, sem contar cartas e sermões, além de sua autobiografia.
A influência desse religioso revela-se duradoura na teologia cristã, na filosofia e na cultura ocidental. Eis o que disseram sobre ele alguns dos maiores teólogos da Igreja Católica: Pio XII reconheceu Santo Agostinho de Hipona como um guia espiritual e intelectual, elogiando, em particular, sua capacidade de articular claramente questões morais e teológicas e de responder aos desafios de seu tempo com sabedoria e profundidade; João XXIII encontrou nele um exemplo de abertura, conversão e busca incansável da verdade; Paulo VI gostava tanto da difusão do pensamento de Santo Agostinho que, em 4 de maio de 1970, inaugurou, com muito entusiasmo, o Augustinianum, Instituto Patrístico que faz parte da Pontifícia Universidade Lateranense, conhecida como a “Universidade do Papa”, com sede em Roma, no “Palazzo del Laterano; João Paulo II elogiou a profundidade intelectual e espiritual do bispo de Hipona, considerando-o alguém que tem algo a oferecer a todo ser humano de nosso tempo; são incontáveis as citações agostinianas de Bento XVI, que tinha uma admiração especial por Santo Agostinho. Aliás, encontramos em Ratzinger “uma fé que não tem medo de dialogar com a cultura e a filosofia contemporâneas”, seguindo o exemplo de Santo Agostinho, que é considerado, há dezesseis séculos, o Pai da cultura católica do Ocidente; o próprio Bento XVI afirmou que Agostinho foi uma de suas mais importantes influências; O papa Francisco destacou que Agostinho “abriu o caminho para a devoção ao Sagrado Coração como um lugar de encontro pessoal com o Senhor”, especificando que, para ele, “o coração de Cristo não era apenas a fonte da graça e dos sacramentos, mas também a origem da sabedoria mais preciosa, que era a de conhecê-lo”; Leão XIV iniciou seu ministério com uma das frases mais célebres de Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós”. Na homilia de sua primeira missa rezada no Vaticano, o papa Prévost declarou: “Como afirma Santo Agostinho: a Igreja é constituída por todos aqueles que mantêm a concórdia com os irmãos e que amam o próximo”.
Santo Agostinho é um dos santos dos primórdios da Igreja Católica. Enquanto nomes como Santo Antônio e Santa Rita de Cássia viveram a partir do século XII, Agostinho viveu entre os séculos IV e V – mais próximo de São Bento, que teria nascido por volta do ano 480. Ele foi o responsável por reforçar o conceito de “pecado original” e desenvolveu o conceito de Igreja como “cidade espiritual de Deus”, distinta da cidade material dos homens. Sua obra intitulada “Confissões”, escrita entre os anos 397 e 398, é considerada a primeira autobiografia surgida na literatura universal.
Esse grande teólogo morreu em 28 de agosto de 430, aos 76 anos de idade, em Hipona, na Numídia, que hoje é a moderna cidade de Annaba, na Argélia. Sua “festa comemorativa” é celebrada em 28 de agosto. O papa Leão XIV pertence à Ordem Agostiniana, fundada no século XIII pelo papa Inocêncio IV, seguindo as regras de Santo Agostinho.
Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro