Minha história de vida está intimamente ligada a quatro diferentes moradias: 1– A casa...
Minha história de vida está intimamente ligada a quatro diferentes moradias: 1– A casa de arquitetura moderna situada na Pampulha, de propriedade de Juscelino Kubitschek, onde ele morou quando era prefeito de Belo Horizonte. Lá vivi minha infância, dos três aos treze anos, convivendo com pinturas de Portinari, espalhadas pela área social da residência. Lá também estudei no Colégio Santa Marcelina, educandário com ensino altamente qualificado, que me deu sólidas bases para os estudos superiores; 2– O apartamento da rua João Pinheiro, em Uberaba, onde passei minha adolescência e a família estava toda unida, até a morte de meu pai, em 1973. Foram os anos de dedicação aos estudos. Bacharelei-me no curso de Direito, em 1974, e, no ano seguinte, conclui o curso de Graduação em Piano pela Faculdade de Artes da Universidade Federal de Uberlândia; 3– O apartamento da rua Bernardo Guimarães, no início dos anos 80, assinalando uma nova etapa de vida, ao lado de minha mãe, após a perda de meu pai e a partida de meus irmãos para outras cidades; 4– A construção da minha própria casa, no Parque do Mirante, e o nascimento de uma mulher adulta e mais forte. Nesse período, passei a “maternar” minha mãe e encontrei um grande companheiro para trilhar comigo a fase madura da minha vida.
Quando alinhavo esses pensamentos é que tudo retorna, nítido como se fosse realmente agora: os lugares, as pessoas, eu – naquele tempo... Essa que hoje sou tem ali as suas raízes. São elos indissolúveis que ligam meu presente ao passado. O ontem no hoje. As imagens passam como num filme. Levam-me consigo... Viajo para longe... Revivo essas emoções.
Cecília Meireles dizia que “o arranjo doméstico, a harmonia da família, a paisagem cotidiana, a atmosfera da escola, tudo isso são ambientes que se vão superpondo e que nos vão nutrindo”. Para mim, passaram e não passaram os dias, as moradias, as pessoas, as sensações. Fecho os olhos e estão vivos. Cada etapa vivida representa um tijolo a mais na construção da minha própria trajetória de vida.
A caminhada de uma vida “plural”, com cinco pessoas no núcleo familiar, para a “singularidade” tão próxima nesse estágio da existência, quando a família se reduziu a duas pessoas – minha irmã e eu. Como o despetalar de uma flor... Mal-me-quer, bem-me-quer...
De tudo ficaram algumas lições: a certeza de que estamos sempre recomeçando; a certeza de que precisamos continuar, investindo em novos projetos; a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar e que, por isso, devemos viver intensamente o presente e cada dia como se fosse o último.
A casa e o conceito de lar se misturam, indissoluvelmente. Ali partilhamos com aqueles que amamos nossos sonhos... Edificamos projetos e nos apoiamos mutuamente. Aquele espaço é nosso território sagrado. Certa vez, conversando com a saudosa amiga e talentosa artesã Myrtis de Lourdes Vianna Bruno, disse para ela que sonhava em construir uma casa amarela com janelas brancas. Ela sorriu e disse: “Pois eu quero uma casinha branca com portas e janelas vermelhas. Lá eu serei feliz”. Ri muito e indaguei, surpresa: “Vermelhas! Puxa, nunca pensei nisso!”
Uma casa definitivamente não é só uma casa. É muito mais que isso! Quando partirmos, a energia dessa casa se extinguirá. Nós a levaremos conosco. Os herdeiros logo decretarão a sua reforma e nunca mais aquele imóvel será o mesmo. O cordão umbilical que a ligava aos antigos proprietários terá sido rompido. Outra história terá que ser construída...
Em tempo! Eu construí minha casa amarela com janelas brancas.
(*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba