Muitas vezes fico pensando em como as pessoas, nos dias atuais, foram perdendo os laços
Muitas vezes fico pensando em como as pessoas, nos dias atuais, foram perdendo os laços de afetividade em suas relações sociais. Houve um tempo em que sabíamos os nomes dos nossos vizinhos, do dono da padaria, da mercearia, da farmácia etc... Éramos uma grande família.
Agora, deparei-me com um fato que me deixou muito abalada. O restaurante “Cozinha D’Ouro”, após 25 anos e 5 meses de bons serviços prestados, fechou as suas portas dia 30 de dezembro próximo passado. Por puro acaso, estava presente com meu marido no último dia de seu funcionamento. A notícia pegou a todos de surpresa e o clima geral era de grande consternação.
Desde então, fiquei atenta ao noticiário local e... nada... silêncio total. Nenhum comentário, nenhuma notificação, nenhuma nota de pesar. Senti-me indignada com tamanho descaso da sociedade uberabense.
O “Cozinha D’Ouro” foi um estabelecimento tradicional em Uberaba, de propriedade do Sr. Dinaro Felice e seu sócio e cunhado Ronivaldo Figueiredo, natural do Piauí. Dinaro é descendente de italianos, filho do Sr. Januário Felice e d. Areovalda Del Papa. Seu pai era músico e tocava violino nas orquestras regidas pelos maestros Renato Frateschi e João Villaça Júnior, além de ter se tornado compositor de peças ligeiras e apreciado músico de serestas. Foi ele quem escolheu o nome do estabelecimento, inaugurado em 31 de julho de 1992, um ano antes de seu falecimento. O imóvel pertence à irmã de Dinaro, sra.Teresinha Felice.
O “Cozinha D’Ouro” representou, na época, uma guinada na vida do engenheiro civil Dinaro Felice. Muitas decisões que tomamos são radicais e nos conduzem a caminhos inteiramente novos. Implica em corrermos riscos e acreditarmos em nossa força de trabalho. O jovem Dinaro tinha encontrado uma companheira para dividir sua vida, Maria Ofélia de Lima, e dessa união surgiu uma filha, Juliana. Era preciso estabelecer-se com bases mais sólidas e, de preferência, perto da família. A ousadia é um atributo da juventude e isso fez toda a diferença.
Seu cunhado Ronivaldo era, reconhecidamente, um “Chef de Cuisine”. Uma parceria desejável e perfeita para a empreitada. O verdadeiro “chef” é apaixonado pela arte dos sabores. Envereda pelas experiências culinárias, manipulando com sabedoria a alquimia dos temperos que harmonizam suas criações.
O diferencial do restaurante sempre foi esse jeito “família” que os clientes encontravam. Dinaro, com seu alto astral e um sorriso um número maior que seu rosto, recebendo as pessoas. Ofélia, na balança, elegante e eficiente no atendimento. Juliana no caixa, rápida e precisa. Rosenvaldo supervisionando o atendimento e providenciando a reposição dos pratos. Comida da melhor qualidade, cardápio variado e higiene garantida. Não se pode negar que foi a boa reputação do restaurante que conquistou, ao longo de todos esses anos, a preferência dos frequentadores. E..., diga-se de passagem, famílias tradicionais uberabenses eram a clientela fixa do local.
Situado em local nobre, ao lado do Mercado Municipal, pertinho da igreja de Santa Rita, integrava um sítio histórico da cidade, a poucos metros do Colégio Nossa Senhora das Dores e da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro.
A vida é a arte do encontro. O “Cozinha D’Ouro” foi o resultado do encontro de pessoas certas no lugar certo. Tutti buona gente! Sem dizer que esta microempresa mantinha 10 funcionários com carteiras assinadas.
Uberaba amanheceu mais triste no primeiro dia do novo ano. Deixo aqui meu reconhecimento a essa equipe maravilhosa que deixou uma lacuna imensa na minha vida, que se tornou mais insossa e “destemperada” a partir de janeiro de 2018. (*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba