A artista belo-horizontina Norma Graça Silvestre, pós-graduada em piano, canto e ópera na Alemanha, veio enriquecer recentemente meu círculo de amizades. Cerca de três meses atrás, atendi uma ligação de Belo Horizonte. A renomada musicista, dona de um currículo invejável, apresentou-se e solicitou-me informações sobre o maestro Elviro do Nascimento. Este músico foi um dos biografados no livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”, de minha autoria. A pedido de Norma, enviei para ela um exemplar deste livro e, desde então, iniciamos uma amizade baseada em afinidades musicais.
Dia 28 de abril próximo passado, chegou por Sedex um livro escrito por Norma Silvestre, recém-lançado na capital mineira, versando sobre a vida e a obra do violinista Flausino Valle (1894-1954), intitulado “Violino Soberano”. Trata-se de um trabalho de fôlego, embasado em farta documentação. Desde que o livro chegou às minhas mãos, dedico grande parte do meu dia à leitura desta obra, sublinhando o que me chama a atenção, anotando nas margens considerações pessoais e devorando avidamente preciosas informações. Dessa forma, vou interagindo com esta obra-prima e me encantando com a vida desse músico tão genial quanto contraditório.
Acabei descobrindo um pouquinho de Uberaba em algumas passagens do livro, que gostaria de deixar aqui registradas: 1- (página 51) O nome do maestro uberabense Elviro do Nascimento aparece ao lado dos mais renomados músicos que atuaram no cenário musical da capital montanhesa na primeira metade do século XX; 2- (página 65) No capítulo que relaciona arranjos e transcrições de Flausino Valle, consta o nome de Renato Frateschi, maestro uberabense de origem italiana e autor de “Mistero” (romanza per canto e pianoforte para voce di basso). Flausino apreciou muito a inspirada linha melódica criada pelo maestro Frateschi nessa peça e resolveu elaborar uma transcrição para violino e piano. Essa transcrição foi executada por ele ao microfone da Rádio Inconfidência, PRI-3, na comemoração do primeiro aniversário da emissora estatal, em 3 de setembro de 1937; 3- (páginas 75/76) Em carta dirigida ao violinista Marcos Raggio de Salles (1885-1965), Flausino Valle enviou junto o programa de um concerto, que ele considerou ter sido o seu primeiro concerto, pois foi o primeiro recital somente dele e ainda por cima remunerado. Segundo ele, o concerto aconteceu em 16 de dezembro de 1937 “na longínqua Uberaba”. Na ocasião, ele achou a cidade boa, mas o povo pareceu-lhe muito refratário às artes. Termina afirmand “O sucesso artístico foi ótimo, apesar de um público bastante reduzido e, consequentemente, sofrível a bilheteria. Valeu o passeio!!!”.
Acredito que houve falha na divulgação do recital na mídia local, pois em minhas pesquisas não encontrei nenhuma menção ao referido evento no jornal Lavoura e Comércio. Sem falar que Alberto Frateschi, que tinha sido seu aluno no Conservatório Mineiro de Música, tinha por hábito recepcionar seus ex-professores em Uberaba, além de atuar nessas ocasiões como pianista acompanhador, como aconteceu com os violinistas George Marinuzzi e José Martins de Mattos, em concerto realizado no Cine-Teatro São Luiz em 16 de janeiro de 1934, com grande comparecimento de público.
Quanto à distância, era realmente uma viagem longa e cansativa, pois a estrada era de terra e em péssimas condições de conservação.
Ao me deparar com essas informações, senti-me mais próxima desse memorável violinista, revelado ao povo mineiro nesta obra magnífica, resultado de um trabalho que ilumina os passos desse grande músico, mineiro de Barbacena, que exercia um verdadeiro fascínio sobre as pessoas que o cercavam pela genialidade de sua arte e por sua produção musical de reconhecido valor artístico.
Segundo Norma Graça Silvestre, “Flausino Valle foi simplesmente um fenômeno no violino, um gênio apaixonado pelo seu instrumento, o qual manejava com mãos divinas, numa ânsia de perfeição e apuro técnico”.
Advogado, poeta, professor, violinista, compositor, crítico musical, pesquisador do folclore brasileiro, e amante das artes, Flausino Rodrigues Valle foi uma das mais destacadas personalidades da vida musical belo-horizontina na primeira metade do século passado, com repercussão nacional. Em 4 de abril de 1954, este respeitado mestre do violino morreu em Belo Horizonte, aos 60 anos de idade.
Em crônica do escritor Ayres da Mata Machado Filho, publicada em O Diário, homenageando o violinista após a sua morte, o poeta assim se expressou: “Ninguém fará de novo falar, e gemer, e cantar, o violino de alma tão humana como a do artista que tão bem o conhecia”.
Olga Maria Frange de Oliveira
Autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”; ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro