ARTICULISTAS

A doce serenata

Osmar Baroni
chorocultura@yahoo.com.br
Publicado em 13/07/2023 às 18:09
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A serenata foi descrita pela primeira vez por volta de 1505, em Portugal, pelo teatrólogo Gil Vicente, para a peça cômica “Quem tem farelo?”.

No Brasil, o seu costume foi referido pelo viajante francês Le Gentil de La Barbinais, de passagem por Salvador, em 1717, ao contar no livro de sua autoria, “Nouveau Voyage au tour du monde”, que à noite somente se ouviriam os tristes acordes das violas tocadas por portugueses que passavam debaixo das sacadas das residências de suas amadas com voz ridiculamente terna.

Outro francês da literatura luso-brasileira, Ferdinand Denis, registrou em livro de 1826 que “gente simples percorre as ruas à noite repetindo modinhas comoventes, que não se consegue ouvir sem se emocionar”.

Com a evolução dessas modinhas em canções sentimentais em todo o Brasil, tal tipo de canto, transformado desde o século XVIII quase em canção de câmara, volta a popularizar a brasileiríssima e romântica serenata composta por músicos de choro na base de flauta, cavaquinho, violão, bandolim e pandeiro, para acompanhar o cantor ou cantora.

Já o nome “seresta” surgiu no Rio de Janeiro, no século XX, para rebatizar a mais antiga tradição de cantoria popular das cidades.

Na verdade, citei apenas um diminuto resumo da serenata, visto que a história da dita cuja aqui contada tem outro final...

No ano de 1954, vim estudar na Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, em Uberaba, cidade de encantadora arquitetura natural, esculpida pela própria natureza e abençoada por Nossa Senhora da Abadia. Comigo veio o Nilton João Clemente, da cidade de Iacanga-SP, pessoa que, para ser meu irmão, faltava somente ser comprovado pelo DNA. Aqui, conheci um monte de excelentes pessoas não somente relacionadas ao curso aludido. É imperioso, após muitos anos, registrar como as empatias misteriosamente se multiplicam por conta das personalidades e dos costumes de vida de cada ser humano; assim, por exemplo, com o pessoal das artes, do esporte, da cultura e, de modo especial, ligado à música, fatores que conseguiram suavizar as ausências nunca antes ocorridas dos meus irmãos e pais, Ernesto e Ernesta.

Em cada novo amigo encontrei o estímulo necessário para ultrapassar a barreira da desistência, até porque a convivência com eles abriu a janela humana de cada um, escancarando as dificuldades existentes no escaninho das nossas vidas.

Entre os múltiplos acontecimentos marcantes, quando estudante, relembro com alegria de muitos, entretanto optei por “navegar” na serenata, ou melhor, no Adalberto Reis, pernambucano de um astral singular, que, para conseguir algum a fim de custear o curso de Odontologia, fazia “bicos” como vendedor nas Lojas Pernambucanas, atividade que lhe “grudou” o apelido de Sexta-Feira. Dizem que gambá cheira gambá. Ele era o violinista do trio de quatro nas memoráveis serenatas. Nilton, Célio e eu, os cantores. Essa formação durou apenas um ano, devido à formatura do Sexta-Feira, que partiu para o seu Pernambuco. Era difícil passarmos uma semana sem serenata, daí nossa frustração durou até descobrirmos o cavaquinista Jurandir, músico profissional de uma boate, cuja gamação por seresta era tamanha que não hesitava em colocar um substituto.

Com o passar do tempo, a popularidade de nossas serestas assumiu um crescimento inacreditável entre pessoas desejosas em surpreender aniversariantes, namoradas, entre outros merecedores de surpresas. Uma dessas se transformou neste artigo por ter sido em homenagem à paquera do Nilton (cantor do grupo). Ela morava nas imediações do Mercado Municipal. A noite não poderia estar mais linda ao avistar uma lua cheia resplendorosa, a compor um cenário natural disposto a testemunhar uma causa nobre: o namoro...

Após o acorde vindo pelas cordas do cavaquinho, iniciamos: “Ah, meu amor, não vás embora / vê a vida como chora / vê que triste esta canção / Não, eu te peço, não te ausentes / pois a dor que agora sentes / só se esquece no perdão”. Depois de mais duas românticas canções, nós nos retiramos “pé a pé”.

No dia seguinte, dissemos ao Nilton que sua prezada paquera tinha enviado um recado agradecendo a linda serenata e que era para ele buscar um bolo de nozes que ela fizera a fim de expressar toda a emoção sentida. De temperamento tímido, abominou a ideia e secamente bradou: “Se vocês querem comer, vão buscá-lo”. Não faltaram da torcida favorável os mais absurdos argumentos a fim de convencê-lo da grande decepção que o ato provocaria na sua paquera.

– Pois bem, eu vou, mas vou devorá-lo sozinho!...

Conclusão da doce tragicomédia...

A paquera em questão levou tamanho susto quando Nilton foi à sua casa buscar o tal bolo, pois na verdade se tratava de pilhéria de mau gosto, montada por comilões longe de suas casas.

Na realidade, nunca ficamos sabendo do epílogo dessa paquera, porém, no dia seguinte a este acontecimento, foi entregue na república onde morávamos um delicioso bolo de nozes, dentro de uma embalagem da Sorveteria Linde, na rua Arthur Machado.

Osmar Baroni
Academia de Letras do Triângulo Mineiro
chorocultura@yahoo.com.br

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