Maio de 1955, Uberaba, como de costume à época, vivia o mais elevado grau de agitação, a fim de receber à altura da sua tradição as mais importantes autoridades da política nacional, bem como os maiores criadores de gado zebu do mundo, motivo pelo qual a rede hoteleira da cidade se encontrava literalmente ocupada com incrível antecedência. Enquanto a anfitriã do evento da ABCZ, presidida pelo Dr. Adalberto Rodrigues da Cunha, distribuía a função a cada um dos diretores, as madames lotavam os salões de beleza da cidade, por conta do badalado “Baile do Presidente”, mesmo com a nossa política estando à beira do caos, com severas ameaças à nossa democracia. Aliás, como todos se lembram, deu no que deu... Contudo, no momento, o que desejo abordar foi a hilária dificuldade que o Jockey Clube viveu a fim de alojar os músicos da orquestra do maestro Chiquinho, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, visto que as últimas três vagas existentes no Hotel do Comércio, ali na rua Vigário Silva, a muito custo, foram ocupadas pelo casal Abel Ferreira e esposa e o maestro. Sem ter nada a ver com o “rolo”, acabei entrando nele.
Rubens Leite, cantor da orquestra, amigo e conterrâneo de Ribeirão Preto, me impôs uma missão: encontrar hospedagem para os dezoito músicos da orquestra.
Quando estudante do curso de Odontologia da hoje Uniube, eu morava na pensão da dona Chafia, na rua Tristão de Castro, pessoa maravilhosa, que nos tratava como seus filhos (Rubens, Maurina e Lacerda), craque do Uberaba Sport Clube, e foi a ela que dirigi a minha súplica: alojar por uma noite os dezoito integrantes daquela orquestra. Sua resposta foi lógica: como alojar esse pessoal todo se não possuo camas suficientes? Diante da complicada situação reinante, não sei onde encontrei coragem ao apelar para o comandante do 4° Batalhão da Polícia Militar, sediado em Uberaba, o empréstimo por uma noite de dezoito colchões, a fim de alojar os músicos que naquela noite tocariam no baile do Jockey Club em homenagem aos expositores de gado, políticos do Brasil e demais convidados. Foi quando ousei argumentar que entre os inúmeros serviços de toda a natureza, inclusive culturais, prestados pela gloriosa corporação à nossa cidade e região esse seria mais um de extrema relevância social.
Silêncio sepulcral...
Trêmulo e quase sem voz, agradeci e me despedi.
Aleluia... Para alívio geral, uma hora depois, dezoito colchões foram colocados no quarto mais amplo daquela pensão, e assim, segundo os envolvidos, a questão indigesta estava resolvida. Resolvida para o Jockey Club, mas faltava resolver a minha: como entrar no clube para assistir à festança não sendo sócio e de bolso vazio? Faltava resolver o episódio no qual fui envolvido.
Chiquinho, o maestro, assentiu que eu me juntasse ao grupo de músicos. Na hora aprazada, começamos a escalar a maravilhosa escadaria, crentes da espetacular vitória: ledo engano, eis que já “estanbeado” e ainda na metade do interminável trajeto, surge não sei de onde um senhor simpático, de compleição avantajada, “Elias Cruvinel Borges”, diretor social do clube, que entra em cena: “Oh, rapaz, onde você pensa que vai? Você não é da orquestra!”. Àquela altura, eu queria soçobrar. Contudo, a fim de minimizar o vexame, entra em cena, esbanjando simpatia e elegância, o maestro Chiquinho, que explica ao correto diretor social “a história dos colchões e do alojamento”.
Somente assim tive a oportunidade de contemplar a exuberância dos salões do Jockey Club, associação recreativa de esporte e cultura que anos mais tarde tive a insigne honra de ser seu diretor social, durante as gestões do genial dr. Ney Junqueira e ter como companheiro de diretoria Elias Cruvinel Borges.
Osmar Baroni
Cirurgião-dentista
Academia de Letras do Triângulo Mineiro
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