Para os sintonizados na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, que no ano 1951 ouviram uma garotinha de onze anos cantar, não foi surpresa vê-la na adolescência encantar o Brasil.
Como todo empresário artístico que se preza, é portador de uma percepção acima do normal, imediatamente ela foi contratada como profissional exclusiva do elenco da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, aumentando a sua visibilidade e entregando seu destino artístico aos produtores. Por essa trilha, realizou-se a gravação de um LP onde interpretou “Rock e Calipsos”, sucessos predominantes na época. Em seguida, gravou “Bolero”, coqueluche dos casais apaixonados. A sua performance alcançou o país, ocasião em que decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, em 1964, ano que politicamente engasgou o país inteiro.
Todos sabemos por experiência ou “de ouvir dizer” o alto preço que a fama cobra para quase todos os profissionais que expõem a própria pessoa; com a querida Elis não foi diferente...
A avalanche dos contratos, compromissos com jornalistas, rádios, TVs, rapidamente foram invadindo seu território particular, devido ao volume contratual que sua presença exigia, a saber: shows no famoso ambiente do “Beco das Garrafas”; “Shows da Bossa Nova”, que dominou a musicalidade brasileira na época. Aí inventaram os festivais da MPB, em que Elis estrelou em primeiro lugar; o mesmo aconteceu no segundo festival, quando defendeu a música “Ensaio Geral”, composta pelo gigante Gilberto Gil. Não poderia deixar de citar outro fenômeno da era dos festivais, em que Elis cantou a irretocável “Lapinha”, composta por Baden Powel e Paulo César Pinheiro.
Lamentavelmente, é preciso recordar o lado perverso da fama. Foi o que aconteceu com Elis quando mergulhou num profundo inferno de patologias mentais, discriminações que os neurologistas dão outros nomes, porém não menos aterrorizantes.
A guerreira lutou bravamente e venceu.
Em janeiro de 1974, Tom Jobim recebeu e aceitou o convite do presidente da gravadora Phonogram para gravar um disco com Elis Regina (onde, segundo ele, uma “grana sarada” iria rolar). Convite aceito, ela e o marido, César Camargo Mariano, viajaram para se encontrarem com Tom Jobim no local onde realizariam o histórico acontecimento.
De acordo com informações tornadas públicas, não foi nada fácil conduzir o trabalho que reunia personalidades fortíssimas. Elis Regina, segundo os mais próximos amigos, seria capaz de mandar tudo para o inferno se o andamento dos exaustivos ensaios não estivesse totalmente do seu agrado, mesmo sabendo o que poderia ocorrer com os distintos artistas.
Em Los Angeles, onde as gravações estavam sendo realizadas, obtiveram notícias dos desgastes físicos devido aos ensaios sem fim. Arranjos realizados a cada leitura das partituras e discussões aos montes quase a levaram ao fim, sem nem mesmo ter começado.
Passados alguns dias, um amigo de Elis, com frequência, telefonava para saber como estava indo o projeto, ouvindo dela: “Uma ‘merda’. Não tem nada bom. Tom é um babaca, um chato, não tanto quanto César (Camargo Mariano) usando piano eletrônico”.
Apesar de ter sido gravado num clima de muita tensão, o disco acabou fazendo justiça aos dois gigantes da música brasileira, relata Sérgio Cabral (o pai).
Quando assistia Elis Regina pela TV, impressionava-me a maneira daquela artista franzina se agigantar nos palcos, exercendo um efeito quase hipnótico no espectador.
Sua voz excepcional ecoava por singular expressão facial, quer em canções românticas:“Quando a noite desceu/Insinuando um triste adeus/Olhando nos olhos teus/Hei de beijando teus dedos dizer...” (Francisco Alves e Horácio Campos), ou no balanço alucinante de um samba de protesto:“Caía a tarde feito um viaduto/O bêbado trajando luto/Me lembrou Carlitos” (João Bosco/Aldir Blanc).
Elis Regina Carvalho da Costa (Rio Grande do Sul, 17/09/1945 – São Paulo, 19/01/1982).
Osmar Baroni
Academia de Letras do Triângulo Mineiro
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