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Diálogo com um invisível (1)

Professor Godoy
Publicado em 28/07/2025 às 18:16
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Moço, compra um doce pra ajudá?

Agora, não, fiii. Outra hora!

Já vendeu bastante hoje?

Nenhum ainda.

Mas já são nove da noite. Cê trabalha todo dia?

Sim, todos os dias da semana, até no domingo. 

Quem faz os doces?

Minha mãe.

Ela trabalha com outra coisa?

Sim, ela é segurança.

Você tem pai?

Não, ele faleceu.

Tem muito tempo?

Sete anos.

Cê tá na escola?

Sim, lá na escola...

Que série?

4º ano.

Cê tem irmão?

Sim, ele também estuda lá. Tá no 6º ano.

Ele também vende doces?

Sim, tá por aí vendeno.

Cê mora onde?

Lá no...

Pra onde vai o dinheiro da venda dos doces?

Pra ajudá em casa.

Vocês têm Bolsa Família?

Sim. Se não tivesse, a gente não comia. Ajuda muito.

Vou comprar um doce e te deixar ir trabalhar.

Muito obrigado. Fica com Deus. Tchau.

Esse diálogo não é uma criação literária com personagens imaginários. Essa conversa é verídica e foi tecida em um bar lá pelos altos de Nossa Senhora da Abadia. O menino, vendedor de doces, feito de corpo e alma, quase sempre invisível, é real.

Em 2023, segundo o IBGE, o Brasil registrava 1,6 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Esse número é 14,6% menor que em 2022. A maioria dessas crianças e adolescentes tinha entre 16 e 17 anos. Ainda, em 2023, cerca de 4,2% da população de 5 a 17 anos se encontrava lançada no trabalho infantil. Eles estão por todos os setores da economia nacional (comércio e reparação de veículos, agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, alojamento e alimentação, indústria geral e serviços domésticos). São mais de 580 mil crianças e adolescentes, exercendo as piores atividades, que incluem riscos à saúde e à segurança. Essas atividades afetam, principalmente, crianças e adolescentes negros. O trabalho prejudica a frequência escolar. 

Como podemos notar pelos dados oficiais, há uma ligeira queda no número de trabalhadores infantis nos dois últimos anos. Em 2002, o dia 12 de junho foi estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Mas, ainda, é perversa a realidade brasileira mesmo após 35 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente.  

Trazendo para o solo uberabense, lembro-me de que, já em 2010, o Centro de Referência em Saúde do Trabalho realizou o 1º Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil. Hoje, está em curso uma campanha de combate ao trabalho infantil. Foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo Executivo a LEI Nº 14.379/2025, que dispõe da obrigatoriedade de divulgar a proibição da exploração de trabalho infantil e dá outras providências. Trata-se do Disque 100. É o Disque Denúncia. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, em 2024, foram 27 acionamentos por trabalho infantil. Em 2025, já foram cinco denúncias. Ainda que pareça pequeno o número de denúncias, a essencialidade da erradicação dessa malignidade social permanece intocada. Como no bojo da Lei... dá outras providências. Uma delas pode ser a busca da visibilidade de que alguns sonhos estão sendo sepultados no coração desses infantes. A esperança deve florescer, pois ao se despedir, o pequeno vendedor de doces disse “Fica com Deus”. Ele espera por dias melhores e a responsabilidade é nossa.

 Professor Godoy

Professor de Ciências Sociais, Graduado em História e Bacharel em Direito

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