Nós tentamos, ninguém pode dizer que não nos esforçamos. A peleja foi árdua, difícil. Cheguei a pensar que poderíamos vencer, mas a batalha, pelo menos por enquanto, está perdida e não adianta chorar o lixo espalhado. Sim, estamos perdendo a luta contra o lixo. Eles avançam: cacos estranhos e incomensuráveis que vêm de todo lugar, sacolas plásticas, sobras, refugos e outros dejetos, entulho da construção civil, a sujeira e a imundície, impurezas, restos de tudo quanto há. A porcariada toda, malcheirosa, persistente e incômoda, segue estabelecendo seu domínio sobre as cidades, os quintais, as estradas, rios, lagoas e mares.
O vencedor, isto é, o lixo, com o apoio da sociedade de consumo, soube ampliar seus esquadrões, estabeleceu estratégias vitoriosas e se multiplicou diuturnamente. No começo, era um contingente tímido, controlável, composto prioritariamente por madeira, vidro e metal. A virada definitiva veio com o aumento considerável dos plásticos. Esse foi o diferencial que permitiu uma vitória avassaladora contra usos mais adequados. As embalagens se expandiram, assim como as técnicas de recolhimento — na verdade, de reorganização das hostes inimigas. Grandes depósitos, chamados aterros, foram construídos e serviram como justificativa para a expansão irrefreável dos detritos, dos troços disformes que ninguém queria por perto.
Uma complexa engenharia social garantiu a expansão do inimigo: assessórios inúteis, infinitos frascos de todo tamanho e material, comida ultraprocessada, marketing avassalador, aditivos químicos, a rápida digitalização do mundo e a matéria-prima dos componentes eletrônicos, principalmente os metais pesados, entre outros poluentes. Os últimos quarenta anos foram determinantes para o triunfo dos descartáveis, do material tornado obsoleto prematuramente, da satisfação passageira, do consumo irrefreável.
Verdade que foram feitas inúmeras tentativas técnicas e legais. Sociedade civil, gestores públicos e pesquisadores tentaram impedir o revés, em vão. Esforços feitos para o enquadramento ou eliminação dos lixões, ações de logística reversa com a responsabilização da indústria, recuperação de antigas práticas, como compostagem e outros tipos de transformação biológica, reciclagem, reutilização e redução do consumo. Mas a escória se mostrou mais influente, com atuação sutil em todos os lugares, cooptando crianças, adultos e os mais velhos.
O lixo seduz, seus batalhões auxiliares sabem trabalhar a beleza efêmera das embalagens, as propostas de praticidade, a rapidez da vida moderna. O microplástico é quase invisível. Dizem que o negócio é “viver a vida” e não se preocupar com o amanhã. Jogue a embalagem descartável na lixeira para alguém recolher; por que se preocupar com isso? No final do expediente, o pessoal da faxina varre tudo e o caminhão de lixo passa levando embora o bagaço. Recolhedores de recicláveis apanharão as latinhas de bebidas; prensas e esteiras darão conta do imenso volume gerado. Por fim, as ruas, as áreas verdes, os cursos d’água e nossos próprios corpos vão absorver e sofrer as consequências da contaminação dos infinitos resíduos insalubres colocados indistintamente à nossa disposição.