O Dr. Watercídio é um desses velhos conhecidos meus que vez ou outra dão as caras. Ele é cismado com essa história de desperdício de água. Mas nunca se preocupou em averiguar se suas afirmações são corretas ou não. Se ele gosta, está ótimo; se não lhe agrada, é mentira, é invenção da esquerda, fajutice. Segundo ele, a culpa pela falta d’água é de todos nós. Por “todos nós” ele entende os outros, isto é, o pessoal que anda de ônibus, a pé, de bicicleta, que mora longe. Ele não faz parte desse grupo. Insiste e grita aos quatro ventos que, se “nós” não economizarmos, vai faltar água. Para ele, o “homem” é o maior responsável pelos problemas ambientais hoje em dia. “Economize para não faltar”, ele exige, com rigor, dos seus agregados. Adora repetir slogans contra o desperdício.
Na sua casa, a situação é diferente. A exigência é com a limpeza, com a higiene; para isso, ele trabalhou duro, ganhou dinheiro, educou-se e à sua família. “Dinheiro é pra essas coisas”, teima em dizer. Isso não o impede de cobrar da Maria que não desperdice água. Mas faz questão que sua garagem seja lavada todos os dias e os carros pelo menos uma vez por semana. Maria já está confusa com tanta ordem desencontrada. E toca a empurrar a sujeira da calçada com a água limpinha que sai da mangueira.
Ela sabe que no seu bairro a situação é bem diferente. É só chegar agosto e começa o racionamento. A água só chega à noite, e em pequena quantidade. Se não chover em setembro, a situação piora. Como a caixa d’água é mínima, ela tem de economizar bastante para poder dar conta das suas necessidades e da sua família. Nesta época do ano, venta muito, vem muita fuligem das queimadas. Ela até gostaria de lavar o quintal, como faz todo dia lá no Dr. Watercídio, mas tem medo de não conseguir pagar a conta, ou de faltar para o banho rápido dos filhos.
No bairro, os moradores já reclamaram, mas eles só escutam: “É preciso economizar, sempre faltou o produto nesta época”. “Produto”, é assim que o pessoal da empresa se refere à água. Para eles tudo se resume a questões técnicas ou de pagamento. Falam de adutoras, de rede, de bombas, de transposição e de crescimento populacional. Põem a culpa nas administrações anteriores, criticam o alto consumo e dizem que as pessoas não têm consciência. Falam que, se as pessoas não economizarem, não vai ter água para todos. Até parece o Dr. Watercídio falando. “Vai ver ele tem razão…”.
O jeito é torcer para que a seca termine logo. Maria espera uma solução, mas desconfia que só quando começar a chover. A moça da empresa disse que o problema será solucionado em breve.
Renato Muniz B. Carvalho