A hora das mudanças

Os anos 1970 foram tempos de embates políticos. Foi nessa época que nos mudamos para São Paulo – quatro amigos. Morávamos num apartamento no centro, próximo à praça da República, região de escritórios, bares, restaurantes, livrarias, farmácias, cinemas, boates, consultórios médicos, lojas de todo tipo. Era perto de tudo, como dizíamos. Ao contrário dos bairros ou da periferia, o centro não tinha “hora”. Alguns estabelecimentos funcionavam 24 horas por dia, mas havia os que começavam às dezoito horas e iam até tarde da noite, como as pizzarias, por exemplo.

Gostávamos de ir ao cinema, nossa atividade cultural preferida. Algumas salas abriam às dez horas da manhã, muitas fechavam por volta de duas horas da madrugada – a última sessão começava à meia-noite. Bares e restaurantes também tinham um horário estendido, sem contar os que nunca fechavam. Como erámos estudantes, não raro, varávamos a noite fazendo trabalhos escolares, pesquisas, leituras, etc. Aí, por volta de três da madrugada, saíamos para tomar lanche. Já às sextas-feiras, o programa era especial: aproveitávamos para ficar conversando a noite toda até as cinco da manhã para podermos saborear uma feijoada num restaurante da rua Aurora, onde o tradicional “prato do dia” começava a ser servido ainda de madrugada. Não tínhamos o costume de pedir comida em domicílio; aplicativos de entrega não existiam, nem nas histórias de ficção científica.

Adorávamos ler e erámos frequentadores assíduos de livrarias. Conhecíamos todos os estabelecimentos localizados no centro, sem esquecer os sebos. Ninguém tinha dinheiro para comprar muita coisa, mas era importante ficar por dentro dos últimos lançamentos, acompanhar as notícias relacionadas à literatura, ao movimento cultural e à política. O ano de 1974 trouxe uma grande novidade: a Revolução dos Cravos, em Portugal, e muitos livros portugueses começaram a chegar ao Brasil. Livros que eram, até então, proibidos aqui ou que os editores locais não publicavam. Amigos vinham de outras cidades para comprar ou “garimpar” livros raros. Muitos exemplares foram adquiridos em bancas de rua, que geralmente funcionavam entre oito e onze horas da noite, aproveitando as marquises e escadas das lojas do centro, em especial na avenida São João. Desconfiávamos que fossem livros apreendidos em buscas policiais realizadas pelas forças da repressão e depois colocados à venda por prepostos.

O apartamento era nosso ponto de encontro, ali se reuniam os amigos antes das sessões de cinema no Cine Bijou, dos shows de música, das reuniões festivas em restaurantes, tudo regado a vinho barato. Ali começaram os primeiros namoros sérios, aconteceram disputas políticas e filosóficas infindáveis e foram traçados muitos planos para o futuro, sem horários rígidos, com muitas descobertas e construção da autonomia pessoal. Tempos de aprendizagem, de fazer a leitura do mundo e de amadurecimento.

O tempo era curto e tínhamos pressa. É hora de nos apressarmos novamente, senão o mundo não muda, entristece e retrocede.

Renato Muniz B. Carvalho