Dias de muito frio trazem inevitáveis comentários sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global
Dias de muito frio trazem inevitáveis comentários sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. Nas rodinhas, nas filas e nos ônibus, o frio vira o assunto da hora, com os infrutíferos embates entre os “contras” e os “a favor”. Parece que alguns espertalhões ficam só esperando o inverno chegar para fazer gracinhas, colocar em dúvida o efeito estufa, subestimar o desmatamento, como se a preocupação com o assunto fosse mania de cientistas ou ambientalistas. Numa dessas discussões intermináveis, um amigo me contou que tinha se hospedado numa casa com lareira virtual: “Muito chique!” Fiquei curioso.
Ele descreveu a geringonça: trata-se de uma lareira ecológica, eletrônica, sem a necessidade de queimar madeira ou carvão. “Ah, aquecedor de ambiente!”, eu disse. “Não, lareira!”, ele retrucou. Ao perceber que ficaríamos o resto da noite discutindo semântica, tratei logo de mudar o foco, de amenizar o clima. Como o amigo estava eufórico com a tal lareira, pedi detalhes sobre o funcionamento. “É só ligar na tomada e pressionar o botão de liga e desliga que o trem começa a esquentar!”, ele disse, aumentando o tom de voz, entusiasmado, como se estivesse a ponto de sair correndo até uma loja e comprar uma para ele; a última maravilha do mundo moderno!
O que me chamou a atenção na descrição que ele fez foi o painel que imitava lenha queimada, incluindo labaredas discretas, silenciosas, sem fumaça. Era uma espécie de tela de televisão que só tinha uma imagem: gravetos queimando, mas que, de fato, aquecia o ambiente. Efeito placebo? Permaneci calado, com medo de arranjar uma inimizade. Mas o troço esquentava, garantiu o meu amigo, provavelmente consumindo muita energia elétrica.
Conversa vai, conversa vem, foi minha vez de recordar que estive na casa de um conhecido, onde, à medida que percorríamos os cômodos da casa, as paredes se iluminavam com quadros e fotos virtuais, que se acendiam à nossa passagem. Ao sair do ambiente, as paredes voltavam ao estado de nudez e neutralidade, indiferentes ao mundo. Será que se podia afirmar que o proprietário tinha um Renoir, um Van Gogh, um Di Cavalcanti, pendurados na parede? As reproduções projetadas tinham até molduras...
Falando de virtualidades, das lareiras passamos aos livros. Não, ninguém pretendia queimar livros, pelo contrário, mas o assunto chegou aos livros digitais, eletrônicos, aos e-books. Quais as diferenças e semelhanças? Saudosistas incorrigíveis podem torcer o nariz e desprezar essas coisas, mas nós, indivíduos comuns, ainda que perplexos e heterodoxos, precisamos refletir. As coisas mudam, é inevitável, e daí? Vamos ficar deslumbrados ou vamos tentar entender o mundo? O que falta inventar no mundo virtual? Banho? Vamos nos aquecer ou passar frio? Vamos ler ou ignorar a leitura e o pensamento crítico? Creio que formatos diferentes podem conviver, mas, cá entre nós, como é bom ler um bom livro de papel! O resto se ajeita.