Fim de tarde, feriadão, eu estava caminhando absorvido por pensamentos aleatórios, quando fui abordado por um pedinte, que solicitou ajuda. Estava tão distraído que custei a compreender o motivo da interrupção: uma moedinha. Institivamente, apontei para os bolsos inexistentes da minha bermuda e disse que nada tinha ali comigo. Faltou dizer, já aborrecido, que eu mal dava conta de sustentar o peso das minhas próprias dívidas. Falei do sofrimento, que era pra cada um carregar nas costas o grande e estranho mundo que habitamos e expliquei que não tinha dinheiro algum comigo, muito menos cartão de crédito, títulos do governo, criptomoedas, promessas de crédito ou quaisquer outros meios de pagamento. Quanto às razões para não portar numerário, embora eu não necessitasse dar explicações, disse para o fulano o quanto me incomodava caminhar com moedinhas tilintando no bolso. Que tortura horrível ouvir o som do dinheiro a cada passo dado na vida.
Ele me olhou de cima a baixo, desconfiado, incrédulo, e mandou esta: “Doutor, se o senhor não tem, o que sobra pra mim?”. Sim, o que sobraria para o pobre coitado? As migalhas. Mas me calei. Migalhas, talvez nem isso, resmunguei. Somados, todos os programas assistenciais, teses acadêmicas, jantares beneficentes e rifas não seriam suficientes.
É claro que ele não acreditou em mim. Como uma pessoa pode se dar ao luxo de caminhar às cinco horas da tarde, era o meu caso, sem um tostão no bolso? Um jovem apaixonado talvez não precisasse se preocupar com dinheiro, horários, etiquetas e demais formalidades sociais, mas o restante da sociedade, faça-me o favor! Ele disse que era tão pobre que não tinha casa, trabalho, não pagava pedágio nem taxas, impostos e tributos, não dispunha sequer de meios para tomar um café da tarde. Fundos de investimento, dívidas a receber, honrarias e títulos nobiliárquicos, se os pudesse ter, recusaria, por convicção, por escolha ideológica. Preferia trocar por um sorriso no rosto. Por isso, julgava estar no pleno direito de esmolar onde quisesse, e até de interromper o trânsito, se preciso fosse.
Cada vez mais desconfiado diante da minha negativa, achou que eu estivesse mentindo. Ninguém em sã consciência anda por aí desprovido de meios, murmurou. E se der vontade de comer uma coxinha, tomar um refrigerante, comprar um jornal? Tomar um sorvete?
O pobre coitado resolveu me afrontar, me ameaçar, além de me ofender. “Vou te assaltar, velho sovina!”, falou agressivo. “O senhor vai ficar assustado com o resultado”, eu retruquei. Ele não entendeu. Afinal, nem relógio eu portava. Perdeu a paciência, xingou Deus e o mundo, e esbravejou: “os tempos mudaram, já não se fazem filantropos como antigamente”, entre outros impropérios. Era um mendigo ilustrado.
Ficamos ali, no meio da rua, discutindo misérias, pobreza, caridade e hipocrisias, advogando carências, enquanto o mundo estava mergulhado em guerras, ideologias nefastas ultrapassadas e tragédias climáticas. Nós dois disputávamos migalhas.