Nas férias e nos fins de semana, íamos à fazenda do meu avô. Até hoje, penso no trabalho que minha mãe tinha com essas idas e vindas. Num tempo sem energia elétrica, com estradas ruins e outras precariedades, não eram fáceis os arranjos necessários para o deslocamento da família, ainda que por dois ou três dias. Na época das chuvas então… Com cinco filhos pequenos, não se podia esquecer nada: comida, roupas, querosene para os lampiões, velas, remédios, roupas de cama etc.
A casa era grande, vários quartos, com características que dificultavam o dia a dia de uma dona de casa com tantos filhos para cuidar. Ao chegar, meu pai e meu avô iam logo resolver seus assuntos e sobrava para minha mãe limpar a casa, fazer almoço e vigiar os filhos, ávidos por descobertas e brincadeiras no imenso quintal. Se ela se desdobrasse em duas, três ou mais, ainda assim não seria simples dar conta de tudo.
Um dia, meu pai convidou alguns amigos para irem à fazenda. Todos eram gentis, bem-informados, gente boa. Tenho boas recordações e saudades deles. Alguns eram advogados, um era pintor, outro gostava de teatro, eram intelectuais progressistas, gostavam de política, de cinema e de literatura. Só de ouvir suas conversas nós nos interessávamos pelas complexas relações políticas nacionais e internacionais que moldavam o mundo naqueles tempos de Guerra Fria, tentávamos compreender o tamanho da encrenca. Todos eles faziam severas críticas à ditadura militar, preocupados com os destinos do país, com o futuro da América Latina, com a censura às artes e à imprensa, com as ameaças constantes às liberdades individuais. Minha mãe não desgostava da companhia, mas sabia que teria trabalho dobrado.
No sábado à tardinha, resolveram pescar num ribeirão que passava nos fundos do quintal. Estavam animados, davam risadas, arranjaram varas de bambu cortadas ali mesmo, cataram minhocas e providenciaram outros apetrechos. Pena que aos meninos não foi permitido participar da pescaria.
Após o jantar, já escuro, cada um pegou sua varinha e desceu até os barrancos do ribeirão. Nós fomos dormir, curiosos sobre o que trariam, que tipo de peixes, a quantidade e outros detalhes da aventura do inusitado e alegre grupo de intelectuais pescadores.
Só me lembro de que acordei de madrugada com uma discussão animada vinda da cozinha. Minha mãe dizia que aquela não era hora de limpar peixes, que deveriam deixar os bagres na banheira de metal em que tomávamos banho à tarde. E todos foram dormir.
Quem disse que dormimos? Isso aconteceu há mais de meio século, mas a memória guardou algumas miudezas. Não vou garantir, mas a impressão que guardei foi a de que os bagres choravam, nadavam agitados de um lado a outro da banheira e choravam. Era angustiante ouvir seu lamento. Eu juro! No domingo cedo, só ouvi minha mãe ordenand “Devolvam todos ao rio!”