Ao longo de quase 40 anos eu juntei papéis, livros, documentos e coisas parecidas...
Ao longo de quase 40 anos eu juntei papéis, livros, documentos e coisas parecidas. Se alguém me perguntar qual a razão, não tenho resposta. Posso não ter uma resposta, tenho várias. É provável que isso tenha acontecido porque sou professor e pretendia dividir minhas descobertas com os alunos. Está certo, mas acho que não é só isso.
Uma explicação pode estar no fato de que eu sempre tive curiosidade sobre o mundo, sobre a realidade em movimento e pouco tempo para ler e refletir sobre tudo o que me chegava às mãos. Então, eu guardava para ler mais tarde. É o que eu faço com os livros. Se eu compro um livro, isso não significa que eu tenho a obrigação de ler de imediato, assim como não significa que eu tenho de ler uma única vez. Concorda? Pode ser que eu só vá pegar pra ler anos depois. Às vezes, eu leio um único capítulo. O livro “Quarup”, do Antônio Callado, eu levei seis meses para ler a metade e seis dias para ler o restante. O livro “Minha vida”, do revolucionário russo Leon Trotsky, eu só fui ler o último capítulo trinta anos depois. Tenho livros na minha estante que nem sei se vou ler um dia. Pra começo de conversa, eu não sou uma máquina de leitura nem sou comentarista profissional de livros, por isso tenho plena liberdade para ler ou não ler. Faço minhas opções.
A quantidade de informações aumentou muito no final do século XX. A inclusão social possibilitou maior acesso às informações, às notícias, ao conhecimento. Os regimes totalitários, as ditaduras militares e seus grotescos funcionários censuravam o que consideravam diferente da sua podre moralidade e instituíram a autocensura. Gostando ou não, isso diminuiu a quantidade de publicações. Com a democratização, mais livros foram publicados, mais notícias passaram a circular, as ideias foram mais longe. O meio eletrônico apenas facilitou o tráfego de dados, de músicas, de filmes, de fotografias, de notícias e de opiniões. Outras pessoas puderam mostrar suas impressões sobre o mundo, seus desejos e suas dúvidas. Alguns podem achar que está ocorrendo uma banalização, eu penso que não. Passamos a ter mais interpretações sobre o mundo que nos cerca. O mercado e a indústria cultural se beneficiaram disso, mas as pessoas também. Novas formas de difusão da notícia alcançam maior amplitude.
E eu, nascido numa época de relações físicas, de apertos de mãos, de olho no olho, fui guardando papéis, textos escritos, recortes, revistas, jornais... Talvez, eu quisesse compensar uma função que era de instituições, como bibliotecas públicas e instituições de ensino e de pesquisa. Essas entidades, talvez, não tenham recebido verbas suficientes, seus dirigentes não tenham entendido qual era sua obrigação ou... Na dúvida, eu é que não podia ser negligente com o futuro. Agora, que tal passar a responsabilidade adiante?
Renato Muniz Barretto de Carvalho