De longe, ele me olha, quieto, impassível feito pedra. Ou sou eu que olho pra ele? Quem olha quem? Ele parece muito próximo, mas o mapa indica cerca de 120 quilômetros. Deve dar menos de 50km em linha reta. Eu em Diamantina e ele onde sempre esteve nos últimos bilhões de anos, e de onde não deve sair tão cedo. Refiro-me a uma elevação rochosa também conhecida por Pico do Itambé. Segundo a história e a geografia das sociedades atuais, ele está localizado na região central do estado de Minas Gerais.
Às vezes, ele está oculto por densas nuvens; em outras ocasiões, desponta nítido, um monumento que se destaca no horizonte em dias de céu claro. Sempre imóvel, pode-se considerá-lo o guia do sertão, a pedra afiada que despeja lágrimas em direção aos cursos d’água que abastecem o Rio Jequitinhonha. É um dos pontos mais altos da Serra do Espinhaço, de onde nos contempla com seus dois mil e poucos metros de altitude. Se pudesse escrever livros, nos contaria episódios emblemáticos da história. Os naturalistas Spix e Martius se encantaram com ele e o escalaram até o cume, em 1818.
Daqui de baixo, cravo-lhe olhar indiscreto e confesso minha admiração. Como ele conseguiu permanecer sereno esse tempo todo? Com certeza, observou tudo o que aconteceu ao seu redor desde que as primeiras pessoas perambulavam por ali há milhares de anos. Também o escalaram? Perguntavam-se quem estava olhando quem?
Apreciando lá de cima, percebe-se que a sociedade atual se move, vigiada por sua sensatez. A vida se movimenta com seus segredos, suas riquezas, sua cultura e suas contradições. Mas o frenesi urbano não costuma dar trégua à contemplação. Causa estranhamento ver pessoas tentando apagar o passado, grupos de indivíduos que não aprenderam a conviver com as diferenças e com dificuldade de ver a própria história com olhar crítico.
O passado colonial e a vida dura nas lavras de ouro e diamantes, onde homens e mulheres escravizados lutaram pela sua liberdade, cobram reflexões e ações de transformação social. A cidade espalhada por morros e serras, as ruas estreitas, pedras de cristal, águas transparentes e a riquíssima cultura popular afrontam o conservadorismo e nos oferecem a beleza de delicados arranjos de flores do cerrado.
A sociedade que carregou pedras para forrar as ruas da cidade, construir alicerces sólidos num lugar musical, religioso e de gostosa diversidade, exige-nos mais do que devaneios e atitude de perplexidade com tanta beleza. Lindas cachoeiras, afloramentos rochosos e paisagens inusitadas, distintas dos chapadões tomados por infinitas lavouras e dos delírios do litoral, demandam ponderações. Eu vejo o pico e tenho vontade de fazer poesia.
Uma certeza eu tenho: o Pico do Itambé vai continuar lá por séculos, observando-nos, rindo das nossas besteiras. Já a sociedade atual vai mudar quando menos se espera.