Fiquei na dúvida quanto ao título desta modesta crônica: “Abaixa o som!” ou “Abaixo o som!”. A palavra “abaixo”, aqui empregada, tem vários significados. Pode significar “embaixo” — como, por exemplo, localização em local pouco elevado —, mas também pode indicar uma ação política, como “abaixo-assinado”, referindo-se a assinaturas num documento, ou seja, quem assina a seguir, em apoio ou em repulsa a uma causa. Só para constar, “baixo” refere-se a um lugar, em termos de altura, mas pode ser “pequeno”, “raso” etc. É bom salientar que o termo “abaixo” pode ser usado como interjeição, para expressar protesto, como em: “Abaixo a Ditadura!”. Como não sou especialista, perdoem-me as imprecisões.
Para evitar ambiguidades, podemos considerar de diversas maneiras o título deste despretensioso texto: o primeiro é um apelo. Apela-se para que as pessoas abaixem o som, ou seja, para que diminuam o volume. O segundo é um convite ao silêncio. É que os tempos atuais andam muito barulhentos, ruidosos. E mais, são ruídos da pior qualidade, com potencial para gerar desconforto. Ressalva: às vezes, é preciso gritar para se fazer ouvir.
Preocupa-me o futuro da humanidade: virá aí uma geração incapaz de ouvir o silêncio? Pessoas que não saberão escutar sons como o borbulhar da água escorrendo entre pedras de um rio, o murmúrio de folhas embaladas pelo vento, o barulhinho da chuva mansa caindo no telhado ou o de crianças brincando. Sons de relaxamento e meditação, que ajudam a trazer de volta recordações, acontecimentos agradáveis, que embalam memórias. Alguns são chamados de sons da natureza, mas qual som não vem da natureza?
Até certo ponto, a escolha é nossa: o martelar insistente no metal ou o som de pássaros? O som da água caindo numa cachoeira ou o ruído do trânsito pesado do fim do dia nas grandes cidades? O som das ondas do mar ou o barulho irritante de buzinas desesperadas? O som de sirenes angustiadas tentando driblar o tráfego lento ou o crepitar de uma fogueira tranquila ao redor da qual se reúnem amigos? O som de vidro se quebrando ou uma conversa amorosa entre namorados? Façam suas escolhas, enquanto isso é possível. Muitos não têm essa possibilidade, não têm como exercer seu direito ao silêncio. A vida não nos permite simplesmente “desligar” a realidade ao redor.
Pessoas adoecem com sons desagradáveis, constantes, irritantes, que nos atormentam dia e noite. Sons que nos afetam de diferentes maneiras e embaçam discernimentos e sentimentos. São gritos doídos de quem tem fome, palavras cortantes de relações pessoais doentias, autoritárias. Sons de tiros, de bombas, de aviões, de desespero, o choro de crianças desamparadas, sons que entristecem e angustiam. Sons que perturbam, vindos de aparelhos eletrônicos, mecânicos, repetitivos, chatos, inoportunos.
Você se importa com esses barulhos? Surgem de surpresa, assustam, desviam nossa atenção. Vamos nos incomodar ou nos acomodar a esses ruídos insistentes e perturbadores?