No começo, foi uma beleza. Os drones, assim como os celulares, o GPS, o carro autônomo, vieram para aliviar a canseira humana, o trabalho excessivo, as tarefas repetitivas e as surpresas indesejáveis. A promessa era de mais tempo para o lazer, para a família, para exercer a criatividade e ir mais longe. Viva a tecnologia, diziam os mais entusiasmados.
Os drones nos dariam boas imagens do alto, belas paisagens, dos caminhos e estradas, salvariam vidas, permitiriam reportagens mais realistas, fariam entregas, levariam recados aos mais longínquos sítios. Essa era a expectativa, assim como aconteceu com os celulares quando se transformaram em campeões da amizade, da liberdade individual, em instrumentos perfeitos para ouvir música, assistir a vídeos, tirar fotografias, fazer cálculos, armazenar documentos, etc. Tal qual o GPS, que facilitou os deslocamentos. Parecia um mundo novo, capaz até de eliminar a desigualdade social, acabar com a fome e a miséria. Por que não?
O negócio se complicou quando alguns drones não quiseram mais nos obedecer. Defeito de fabricação ou chip mal configurado, ainda não se sabe o que aconteceu. Uns dizem que foi coisa vinda lá da Ásia – vocês sabem a quem estou me referindo. Foi assim: eu estava lá na varanda de casa, descansando no fim de tarde, e o bicho, isto é, o drone, levantou voo sozinho e subiu bem alto, fazendo aquele barulhinho irritante, típico deles. Apanhei correndo o celular e abri o aplicativo do artefato rebelde. Não teve jeito, o danado só desceu depois de muitas ameaças e impropérios.
No dia seguinte, liguei na empresa para reclamar. Para minha surpresa, a máquina que me atendeu disse, com aquela horrível voz metálica, que a companhia já estava ciente do problema e que em breve resolveriam tudo. Em seguida, desligou, não sem antes solicitar que eu respondesse a uma pesquisa a respeito do atendimento. Não respondi, de raiva. Na segunda-feira, ao sair para trabalhar, tranquei as portas, mas esqueci de trancar as janelas e o drone escapou. No meio da manhã, minha mãe ligou assustada, avisando que o “negocinho que avoa” não queria descer de jeito nenhum. O que fazer? Deixar ele se cansar, acabar a bateria, sei lá.
Ao chegar, à tarde, consegui trazê-lo de volta ao chão. Fui verificar os registros da câmara e quase caí de costas. Ele tinha filmado tudo lá de cima: a casa do compadre Pedro, o quintal da Dona Rosa, sobrevoou os edifícios altos do bairro e filmou os quartos e as salas que estavam com as janelas abertas, filmou a piscina da casa chique da esquina e sei lá mais o quê. Quando estava decidindo o que fazer para evitar outros incidentes, olhei pra fora da janela e tinha um drone desconhecido me espiando. Joguei uma praga nele e corri para fechar as janelas. E agora?
Renato Muniz B. Carvalho