Pressiono o grampeador e nada. Acabaram-se os grampos? Não surge nenhum na discreta fenda por onde eles saem. Não entendo como uma coisa tão simples, tão básica, falha. Quebrou? O que fazer? Vou repor, mas onde está a caixa? Onde eu guardei? Na memória? Escondida, oculta dos curiosos? Vou descobrir, mas estou apreensivo, pois os grampos acabaram justo naquela hora em que eu mais precisava: grampear papéis, folhas soltas, fechar envelopes etc. É sempre assim.
Quando cai a ficha, isto é, quando constato, definitivamente, que não tem mais grampos, a solução é recolocar, mas onde estão os grampos? Só podem estar na gaveta da escrivaninha. Em qual delas? Pouco importa, são apenas duas. Preciso abrir uma de cada vez, procurar com critério, e não perder tempo com isso.
Na primeira, não estão. Na segunda, também não. Aumenta a ansiedade, perco o fio da meada, começo a ficar preocupado com o dia de amanhã. Não têm grampos? Acabaram? Onde foi que guardei? Alguém pegou e não me avisou? É o tipo da coisa que ninguém se mobiliza para comprar, a não ser quando acaba. “Cinco mil unidades” dizia a última caixa que comprei, mas nem pensei em contar. Alguém se dava ao trabalho de conferir os palitos de fósforo da caixinha, no tempo em que se usavam os tais palitos? Lembro-me que eram 40, em média. Nunca contei. Imagina contar cinco mil grampos! Vocês contam? Ninguém perde tempo conferindo se a embalagem de leite tem um litro ou se o pacote de farinha de trigo tem um quilo, não é? Mas o meu problema é achar os grampos. Depois vou cuidar das demais questões.
Volto às gavetas. Quanta coisa! Chaves velhas, clipes, pedacinhos de papel, anotações antigas, chips de celular vencidos, canetas, muitas canetas, bolsinhas, réguas, apontadores de lápis, fones de ouvido, guardados variados, recordações. Não preciso de nada disso, preciso de grampos. Segunda gaveta: canivetes (para descascar laranjas), lente de aumento (para quando eu estiver cego de amor), envelopes vazios (para as cartas que hei de enviar um dia), documentos, pilhas, a calculadora… Quem será que guarda essas coisas hoje em dia?
Não sei se estamos juntando lixo ou se ainda não conseguimos nos livrar de um mundo palpável, físico, de coisas que podemos pegar, ver, cheirar e ouvir. Talvez, no futuro, façamos a transição para uma realidade digital, computacional, virtual… Mas já vou avisando: não abro mão de afetos, de abraços apertados, de beijos apaixonados.
E os grampos? Como uma porcariazinha dessas faz falta! Como juntar folhas soltas? Devo deixar as pontas soltas? Vou usar clipes. Atitude arcaica, provisória, desprezível em tempos tão informatizados e eletrônicos, mas vai resolver minha dificuldade imediata. Não consigo imaginar como cinco mil grampos acabam sem que as pessoas percebam. Só não podemos nos descuidar dos afetos!