Na minha infância, as árvores eram tão importantes quanto os bichos que conviviam com a família. A diferença era que gatos, cachorros, preás, equinos e bovinos tinham nome próprio. As árvores eram conhecidas pela espécie: o pé de tamarindo, o pé de manga-sabina, o limão-galego da horta, o abacateiro no fundo do quintal, a aroeira da entrada, o pé de jabuticaba junto ao rego d’água e assim por diante. Se os bichos tinham sua personalidade reconhecida, às árvores também eram atribuídas características que as individualizavam, diferenciando-as de outras da mesma espécie. Todo mundo tinha direito a um nome.
Aves não entravam na roda, talvez devido à vida no céu, talvez porque meus pais não admitiam pássaros em gaiolas. Daí, era difícil identificá-las e, para nomeá-las, só de modo genérico. O fato de não terem nomes próprios não nos impedia de conhecer seus costumes, horários, frutas prediletas e seus cantos (só mais tarde descobri que o termo correto é “vocalização”). Ficávamos fascinados com os sons do sabiá-laranjeira, a algazarra dos pássaros-pretos ao entardecer, a chamada fogo-apagou e a alegria das maritacas. Embora não existisse proibição formal, éramos desestimulados a caçar e aprisionar passarinhos.
O mundo era muito grande diante da nossa vontade de desvendar tudo o que tínhamos pela frente, fosse o sabor das frutas, das mais comuns às mais exóticas, até o interesse em nomear tudo à nossa volta. Aliás, confundíamos conhecimento com dar nomes ao que nos cercava. São coisas complementares, porém distintas.
Parte significativa desse aprendizado de mundo referia-se às árvores e aos inúmeros aspectos envolvidos nos assuntos arbóreos. Nossos interesses eram as madeiras, suas cores, cheiros, dureza, mas principalmente as aplicações. A pergunta mais constante era: “pra que serve?”. Para cabo de martelo, cabo de enxada, para móvel, para tábua de curral, para madeiramento de telhados, esteio, mourão de cerca e até outros objetos, dependendo da paciência dos marceneiros ou carpinteiros que por lá passavam. Adorávamos as sobras, os pedacinhos, os toquinhos que viravam brinquedos artesanais.
Subir e descer das árvores faziam parte do aprendizado. Começava por saber o que era apropriado à prática da escalada. Algumas tinham os galhos fracos, não aguentavam nosso peso; outras suportavam. Era importante saber até onde subir e traçar estratégias quanto ao caminho a ser percorrido em direção às grimpas. Coragem era subir mais alto. Passávamos um bom tempo instalados nas alturas, sendo habitual cada um levar seu lanche no embornal. Às vezes, subíamos todos numa única árvore, ocupando cada um seu posto, isto é, seu galho; outras vezes, cada um escolhia a de sua preferência. Era divertido.
Hoje, percebo que tudo isso contribuiu para o conhecimento da realidade na qual estávamos inseridos. Serviu para conhecer a diversidade da vida, inclusive socioeconômica e política, enfim, situar-nos no mundo para não perder as referências e fazer as leituras necessárias à sobrevivência e à convivência.
Renato Muniz B. Carvalho