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Arapuca

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 08/01/2024 às 18:48
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Fala pra gente: você já armou uma cilada para alguém ou já caiu numa? É inevitável. Armadilhas tem de todo tipo: pequenas ou grandes, trágicas ou cômicas, simples ou complicadas, e por aí vai. Os caminhos nem sempre são tortuosos até uma armadilha. Elas estão espalhadas em todo lugar, nas esquinas, nas ruas, no trabalho e até dentro de casa. Difícil é não cair.

Na fazenda do meu avô, a meninada chamava de “arapuca”. Sempre tinha alguém pensando em construir uma para pegar passarinhos ou preás. Na maioria das vezes, não dava certo. As tentativas infrutíferas não nos desanimavam. No meu caso, confesso que nunca peguei nada, sequer um grilo ou uma barata.

O modelo mais comum de arapuca era feito com tiras de bambu. Sua confecção levava uma manhã inteira. Envolvia planejamento, diversos preparativos e muita apreensão. A expectativa era pegar alguma presa, nem que fosse para soltar em seguida. O importante era testar nossa engenhosidade, nossa capacidade de ludibriar os passarinhos e pequenos mamíferos. Ou eles eram mais espertos do que nós ou éramos péssimos construtores de arapucas.

Logo cedo, após a indispensável passada no curral para beber um transbordante copo de leite tirado na hora, corríamos ao bambuzal. Não sem antes ouvir mil recomendações sobre cobras, escorpiões, estrepes e outros perigos. Após as devidas considerações, cada um escolhia seu bambu, cortava e levava para o quintal. A próxima etapa era separar as tiras. Quanto mais finas e maleáveis, melhor. Finalmente, montar o cesto.

Usávamos barbante para as amarras. Entre nós, uns eram caprichosos, verdadeiros artesãos; outros eram puro desleixo. O engenho podia durar um dia ou uma semana, geralmente não mais do que isso. Sem bambu também era possível construir a armação que compunha o ardil para capturar seres ingênuos e desavisados. Na ausência de bambu, usávamos pedaços de galhos mais finos, gravetos e tabuinhas.

Terminada a construção, levávamos o utensílio para o campo onde se acreditava habitar a caça. Colocávamos um pedaço de graveto para erguer o cesto ou picuá, amarrávamos um fio comprido de barbante embaixo, disfarçando bem o terreno com astúcia belígera, não sem antes colocar alguma comida do cardápio do emboscado: milho, insetos, etc. Por fim, escolher um lugar escondido, de preferência na sombra, e aguardar o desfecho. Tínhamos de controlar a ansiedade, não nos precipitarmos nem fazer barulho para não espantar o bicho. Essa era a parte difícil. A ideia era puxar o barbante quando o desavisado estivesse lá dentro, impossibilitando-o de fugir.

O mundo atual nos coloca diante de variadas armadilhas. Muita gente é ludibriada por elas, sejam golpes financeiros e promessas de dinheiro fácil, sejam as trapaças políticas, as mentiras eleitoreiras, a defesa do autoritarismo, as deturpações históricas e conceituais. Eu nunca consegui capturar um preá, mas já vi muita gente caindo em arapucas políticas por aí. E você?

Renato Muniz B. Carvalho

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