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Árvores inúteis

Ora, ora, tem gente que chora pelas árvores cortadas por mãos inclementes que manejam motosserras

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 27/07/2019 às 10:14Atualizado em 17/12/2022 às 22:52
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Ora, ora, tem gente que chora pelas árvores cortadas por mãos inclementes que manejam motosserras irritantes nas tardes quentes das sextas-feiras! Deviam chorar em outra freguesia! Para que servem algumas árvores doentes, bichadas, raízes à mostra, esquálidas, esquisitas, galhosas, caquéticas e velhas, que deixarão, a qualquer chuvinha besta, caírem seus galhos sobre carros e transeuntes desavisados? As pessoas têm o direito de circular debaixo das árvores quando bem entenderem. Afinal, os motoristas, ávidos na disputa por uma sombra, querem ter a segurança de que um galho não estrague a pintura do seu carro novo. 

Para que servem duas, três, dez árvores frondosas, exóticas, imigrantes, floridas, diferentes, esverdeadas? Para que servem essas esdrúxulas, incômodas e anacrônicas senhoras que atravancam a vida de uma cidade moderna? Digam! Que árvores são essas que se embaraçam nos fios de eletricidade que levam a ordem e o progresso a todos os cantos, a todos os lares, às nossas prisões domésticas, muradas, individuais, vigiadas, exclusivas, protegidas? Devem ser as tais que espalham sujeira pelas ruas tão lindas das cidades. Por que deixam cair suas folhas, seus galhos, seus resíduos? Punição para elas! Por que sujam as ruas, os quintais e as varandas? Cortem! Por que atrapalham o trânsito intenso e barulhento da crescente frota que conduz trabalhadores pra cima e pra baixo numa luta insana pela sobrevivência? Julgam-se especiais as dondocas viçosas? Quem são essas árvores indecentes? São seres pré-históricos! São dinossauros que deveriam estar extintos faz tempo, mas que insistem em esparramar sua sombra protetora sobre cidadãos insaciáveis por limpeza, higiene e trabalho duro de sol a sol. Árvores insolentes!

Árvore boa é árvore morta! Quem se importa com os pássaros que se abrigam em seus galhos e acordam as pessoas de madrugada com cantos que soam como pedidos de socorro? Se não existissem galhos, não existiriam ninhos nem filhotes! Não existiriam marimbondos, abelhas, grilos, cupins, formigas, baratas, ratos, ratazanas, sapos, cobras, insetos... Ah, a natureza e suas imperfeições! Fora bichos maléficos e árvores perniciosas que lhes dão abrigo! Árvores subversivas! Vocês e suas impurezas terríveis a atormentar os cidadãos de bem, os indivíduos de boa vontade, simplórios, cheios de bondade, crédulos, fiéis, cumpridores de seus deveres, pagadores de impostos e de taxas progressivas de lixo e de água, mas que não suportam um ser tão sossegado como uma grande árvore pachorrenta a sorrir das intempéries, das enchentes, do calor, das tragédias urbanas anunciadas. Árvores arrogantes! Fora! 

Cortem o mal pela raiz! Sufoquem esses seres horrendos! Cortem esses seres gigantescos e petulantes que nos privam da observação do horizonte desértico e avermelhado das tardes poeirentas de inverno! Para que servem as árvores? Que ninguém venha falar de literatura, de ecologia, de ar puro, de beleza e de diversidade, isso é invenção de loucos, de ambientalistas, de radicais, de ultrapassados, de sonhadores... O mundo já não lhes pertence!

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