As nuvens se esparramam no céu, já repararam nisso? Às vezes, são preguiçosas e traçam suaves movimentos imprecisos. Fascinantes, elas vêm e vão, se desmancham e se dispersam com mansidão nos distantes confins do horizonte. Deve haver uma sequência, uma lógica matemática, mas também há um pouco de caos, de desordem nesse processo. Pode ser óbvio, mas é bonito. Nuvens nunca são iguais; se puderem olhar com tempo para os céus, observem bem, pois são todas diferentes umas das outras.
A vida é assim também, com as suas surpresas, como o mar, suas ressacas e calmarias, como as nuvens e suas formas amenas, outras densas, as que trazem tempestades nos finais da tarde. Para complicar o raciocínio, tem hora que não tem nuvens no céu, ele fica em silêncio, misterioso. Tem hora que as nuvens esbravejam, produzem sons ensurdecedores, raios, trovões e relâmpagos, escurecem e despejam água com vontade, águas que inundam as cidades, descem dos morros derrubando tudo o que encontram pela frente. Elas quebram até as pedras mais duras, arrastam galhos, prédios...
O incrível é que a vida consegue ser mais dinâmica, proporcionar maior pluralidade e arrebatamento. Ela consegue ser, ao mesmo tempo, céu límpido e nublado, bonança e dilúvio.
Penso nisso 50 anos depois do meu tempo de ginásio. Nos anos 1960, como desejávamos mudanças! Como queríamos que a realidade se transformasse, e rápido! Percebemos aos poucos, a duras penas, que existiam forças opostas ao bem-estar de todos. Às vezes, tomávamos bordoadas. Não foi um tempo fácil. Tem tempo fácil? Se alguém souber, que diga logo!
Sem ceder a estereótipos, muitos assumiram posturas contestatórias. Usar cabelos compridos, barba, roupas coloridas e extravagantes, ouvir músicas de protesto, discutir jornais alternativos e ler livros de política eram atitudes afirmativas. Foi um tempo de curtir a vida ao ar livre, nas matas, nas praias, nas montanhas... Seguimos em frente, desafiando os que queriam controlar a vida, os que não aceitavam a diversidade, os que preferiam a tristeza à alegria, os que contribuíam para aumentar a pobreza, a opressão, os que nos queriam fardados, alienados, obedientes...
Não foi fácil nos livrarmos das amarras e dos preconceitos do passado. Muitos não conseguiram. Queríamos novas formas de amar, de nos relacionarmos, de sentir prazer, sem culpas e repressão. “Faça amor, não faça a guerra” era uma das palavras de ordem. Queríamos ir ao cinema e ao teatro, sem censura, sem cortes, sem tutela. Não queríamos uma vida despedaçada, triste, cercada por arame farpado.
Alguns maiorais da época, se pudessem, teriam transformado o céu numa bolha de ar corrompido, céu sem nuvens, cinzento, cheio de abobados e desinformados. O teatro, o cinema, a literatura e outras manifestações culturais é que não deixaram que fossem interrompidos os fluxos de inteligência e de liberdade. Senão, teríamos morrido todos sufocados. Ufa!