Tem gente que conversa com cachorrinhos, gatos, cavalos e outros seres. É o seu caso? Tem gente que abraça árvores, defende esses fantásticos seres vegetais e até os considera confidentes. Existem os que se sentam debaixo delas, de preferência as bem frondosas, e deixam o pensamento fluir. Conheço pessoas que dizem conversar com coisas, objetos, amuletos, bonequinhos da sorte… Não era o meu caso, até agora. Constatei que muitos o fazem, às vezes sem perceber, e, de repente, saem por aí conversando com seus botões. Há relatos curiosos acerca desses diálogos. É mais comum do que se imagina.
Comecei a pensar nisso quando fui à pia do banheiro escovar meus dentes e iniciei uma conversa com minha escova de dente. Teria sido um momento de revelação, de inspiração divina, se eu fosse místico. Antes, olhei tudo o que havia ao redor: a escova, o pente, o dentifrício, o enxaguante bucal, o desodorante, o fio dental e outras coisas semelhantes, geralmente encontradas sobre as pias. O que aquelas coisas estavam fazendo ali? Precisamos de tudo isso? Vai saber!
O caso ficou esquisito quando eu parei o que estava fazendo e fui buscar no fundo da memória a data certa para substituir a velha escova por uma nova. Por que trocar de escova? Só porque ela estava vencida? Cerdas gastas, esgarçadas. Então, se uma coisa ou pessoa ficam velhas, é hora de jogar fora? Fiquei indignado comigo mesmo. Onde já se viu?
Olhei para o fio dental e tive de mudar minha visão de mundo. Esse produto sofre um descarte diário, constante. Todos os dias vai embora um pedacinho. Até acabar. É isso que acontece com certos lances da nossa vida, desaparecem aos poucos — nós, inclusive. Meio óbvio, né? É inevitável. Vamos mudar de assunto.
Para quem olha de longe, pensar nisso parece algum distúrbio ou falta do que fazer. Vocês acham que eu deveria procurar um quintal para carpir? Um terreiro para varrer? Um livro para ler? Só não vale dizer para ir buscar o celular ou ligar a TV. Já pensei em fazer cursos a distância, ajudar entidades beneficentes, distribuir sopa para os pobres e fundar um grêmio estudantil. No meu caso, não ia dar certo.
O problema é garantir a permanência do diálogo, a crença na conversa e na troca de ideias. Se as pessoas não estão disponíveis, vamos buscar outros interlocutores; difícil é ficar quieto. Uma tia minha dizia que a mente vazia era a oficina do diabo. Eu ficava apavorado. Depois, percebi que era uma estratégia para eu não questionar a realidade. Então, eu resolvi conversar com todo mundo: gente, bicho, árvore ou coisa. Tudo tem uma essência, uma história, sua hora e seu lugar. Os objetos ali, na minha frente, têm um significado embutido neles. Se eu souber fazer as perguntas certas, eles vão me contar.