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Atire a primeira pedra

Renato Muniz B. Carvalho
Publicado em 12/08/2024 às 19:38
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Quem nunca se permitiu pensar em bobeiras que atire a primeira pedra. Opa! Esse negócio de atirar pedras pode ter consequências sérias. Pode machucar alguém, quebrar vidraças, atingir alvos errados e servir a projetos autoritários e excludentes. Você sabe quantas pedras são necessárias para derrubar uma manga madura no alto de uma mangueira? Quantas vezes você tentou? Nunca derrubou mangas com pedras? Se não o fez, não sabe como é bom acertar a manga e ela cair sem muitos estragos no chão. Aí você pode saborear a deliciosa fruta ali mesmo.

Para atirar uma pedra com sucesso é preciso escolher a pedra certa, fazer o cálculo da altura, analisar a direção do vento, as características do alvo, etc. Será que existe um “Manual para Atirar Pedras”? Se não existe, fica aqui a sugestão. Antes de tudo, é preciso ter as pedras à mão. Onde estão as pedras? Foi pensando nisso, na arte de atirar pedras, que imaginei como seria triste um planeta liso, como um campo de futebol, só que sem grama, só areia. Imaginei um mundo plano, não o dos terraplanistas; esses pensam que o mundo é quadrado, retangular, sei lá. Minha imaginação me levou a um mundo nivelado, embora redondo. Nada de morros, montanhas, serras ou cordilheiras. Liso, lisinho! Por que não?

O intemperismo, que desgasta as rochas, é uma das forças mais dinâmicas na superfície da Terra. Atua na formação das planícies, das áreas sedimentares formadas por rochas submetidas a fatores diversos que as desagregam. Com as chuvas, os ventos e as geleiras, os sedimentos são arrastados para as regiões mais baixas. Esse processo continua nos dias atuais e, um dia, não fossem forças contrárias, a superfície ficaria aplainada, sem rugosidades. É apenas uma possibilidade; pensar em bobeiras não custa, quem nunca?

Com o processo encerrado, não existiriam mais a Cordilheira dos Andes, a Serra da Mantiqueira, a Serra do Mar, o Espinhaço, os Alpes, o Kilimanjaro, o Himalaia. Já pensaram? Desolador… Praticar alpinismo só em academias, em paredes artificiais de escalada. Aliás, pra quê? Quem iria querer aprender a subir picos se eles não existissem mais?

Eu sei que é muita doideira, mas são tantas as alucinações que correm o mundo que mais uma não vai fazer diferença. É tanta coisa em que se acredita que uma fantasia a mais ou a menos não vai afetar o mercado das ilusões, não vai complicar nossa vida mais do que ela já está complicada. Ilusões são assim: muitas se tornam loucura, delírios. A ciência anda tão desprestigiada ultimamente que substituir a reflexão e a observação por devaneios ou desatinos não vai afetar a humanidade. Será?

A paisagem ficaria monótona, a biodiversidade seria afetada, afinal, tudo tem seu custo. Ficaríamos sem pedras para atirar nas mangas e em outros alvos. Melhor parar por aqui para não brigar com as pessoas mais sensíveis.

 Renato Muniz B. Carvalho

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