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Bagagem

Renato Muniz
Publicado em 13/05/2024 às 19:09
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A primeira vez em que eu mesmo organizei minha mala de viagem não ficou gravada na memória. Talvez um dia eu me lembre, mas é provável que não. A viagem foi importante, mas não foram estabelecidos nexos entre arrumar a mala e fazer a viagem. Desde sempre, sou um viajante e me recordo das primeiras viagens que fiz. Uma delas foi à praia, no Rio de Janeiro, quando eu devia ter três ou quatro anos. Guardei cenas minhas correndo na praia vazia, as ondas, palmeiras. Guardei, principalmente, momentos passados na casa da minha avó materna. Quanto à praia, ficou marcada a ideia de que as paisagens se transformam ao longo do tempo. Posso dizer que aquela praia que conheci no início dos anos 1960 não existe mais, embora esteja lá desde tempos imemoriais, bem antes das invasões francesas, dos portugueses e da resistência indígena.

A preocupação com a transitoriedade das paisagens e com as transformações socioambientais que afetam as sociedades me acompanha até hoje. Viajar é bom para melhorar a percepção do caráter temporário do mundo em que vivemos.

Tão importante como viajar para conhecer lugares e pessoas é saber o que levar na bagagem. Bem verdade que, enquanto alguns se entopem de coisas inúteis e sacolas, outros viajam com a roupa do corpo e a alma leve. Quanto a mim, não tenho bronca das malas, mas não me tornei escravo delas.

Se me falha a memória da primeira mala, lembro-me de algumas que me acompanharam nas inúmeras viagens que fiz esses anos todos até aqui. Embora sempre buscasse uma mala resistente, durável, uma que me acompanhasse ao longo dos anos, já troquei algumas vezes, procurando cada vez mais diminuir o tamanho, reduzir o peso, racionalizar a tralha. Não tenho a pretensão de ensinar nada a ninguém, apenas conversar sobre o tema.

Lembro-me da mala de couro na qual levei minha “mudança” para São Paulo quando fui morar e estudar na capital paulista. Durante meses mantive alguns objetos e roupas nessa mala. Seria receio de ter de sair dali correndo ou de não me sentir pertencente ainda ao lugar, onde, aliás, eu morei tantos anos? Um dia, não sei quando nem por que, a velha mala de couro sumiu. Devo ter substituído por algo mais condizente com minha vida naquele momento.

Acho que troquei por uma mochila de lona, tão forte e rústica quanto desajeitada e despretensiosa. Na pressa das partidas e chegadas, bastava jogar lá dentro roupas, sapato, utensílios básicos de higiene e sair por aí, mundo afora. Tempos bons de “mochileiro”, de dormir em rodoviárias, em barracas, de conversar muito e tentar aprender os embaraços, dilemas, qualidades e defeitos do mundo.

Hoje, pouco importa o tipo da mala, o meio de transporte ou a lonjura, importa continuar viajando. Relevantes são a companhia e o contínuo aprendizado das incessantes modificações da vida.

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