Difícil imaginar um bicho doméstico que sofreu mais no meio rural do que o cachorro. Vamos concordar que cavalos também não ficam atrás neste triste ranking, o mesmo se aplicando às vacas leiteiras e a seus bezerros. Na pecuária moderna, se não existir uma preocupação com manejo adequado, se não houver responsabilidade com o bem-estar animal e com o meio ambiente, todos sofrem, inclusive os humanos. Não se trata apenas de uma questão geopolítica ou relacionada às pautas veganas; os cachorros foram, historicamente, os alvos principais dos maus-tratos, entre inúmeras outras atrocidades. E são considerados, segundo uma antiga expressão, os “melhores amigos do homem” – que ironia! Será que a realidade mudou?
Esses simpáticos seres, considerados “inseparáveis companheiros”, eram muitas vezes acorrentados, machucados, deixados sem água e sem comida em muitas propriedades rurais. Sim, muita coisa mudou, mas ainda há muito que fazer. Não é fácil mudar mentalidades, atitudes e costumes arraigados. Casos de cavalos açoitados até aparecerem feridas, cegueira e outras barbaridades ainda acontecem. Para evidenciar poder, “mostrar quem manda”, eles recebem pauladas, chicotadas e outros suplícios. Sem contar os que ficam amarrados o dia inteiro num poste, podendo se considerar sortudo aquele que fica preso debaixo de uma árvore, pelo menos está abrigado à sombra. Em diversas propriedades, cachorros são amarrados a um fio de arame e só podem se movimentar de uma ponta a outra. A justificativa é criar uma espécie de barreira contra invasores. Quem foi o infeliz que inventou isso?
A fome também foi usada como instrumento de domínio sobre os animais “domésticos”. Alguns eram alimentados uma única vez ao dia e não recebiam água fresca e limpa. Vacinas e medicamentos eram raros, com exceção da vacinação contra a raiva, que é muito recente como política pública, tendo sido criado somente em 1973 o Programa Nacional de Profilaxia da Raiva, que instituiu campanhas de imunização de cães e gatos em todo o país.
Na fazenda do meu avô, os bichos que por lá viviam eram considerados “gente boa”, entretanto, havia casos de desmazelo com cachorros, cavalos, etc. Naquele tempo, anos 1960, eles eram proibidos de entrar nas residências, no máximo poderiam ficar nas varandas. A exceção eram os gatos. Esses eram especialistas em se esgueirar até o fogão a lenha, até um canto quentinho, sossegado, em busca de comida e conforto.
Não é de se espantar que muitos animais apresentassem comportamentos agressivos, conforme eram adestrados. Caso exagerassem na agressividade, eram sumariamente descartados, mortos ou abandonados. Eu me sinto envergonhado e triste ao contar isso. O pior é saber que muitos humanos são protagonistas dessas histórias: muitos provocavam dores enquanto outros eram tratados da mesma forma ou pior. Neste aspecto, tanto no meio rural quanto nas cidades, muita coisa ainda precisa mudar.
Renato Muniz B. Carvalho