Outro dia, ao me abaixar para amarrar os cadarços do sapato, percebi que estava diante de um item fadado ao desaparecimento. Refiro-me aos cadarços. É que zíperes, elásticos e outros artefatos estão substituindo o tradicional amarrilho. Observando os mais jovens, percebe-se que eles não têm a menor paciência com as cordinhas que mantêm o calçado seguro ao pé. O afobamento e o estilo de vida apressado que caracterizam os tempos atuais modificam as práticas relacionadas às atitudes mais simples e mecânicas que sobreviveram até aqui. Anos de aprendizagem e convívio social nos posicionaram na escala evolutiva em situação aparentemente superior, mas a impressão que fica é que escovar os dentes, descascar uma laranja, lavar as mãos, dar bom-dia, agradecer uma informação, ler um livro e amarrar o cadarço passam por amplos questionamentos.
Hoje, e cada dia mais, quase tudo se resolve apertando uma tecla ou deslizando o dedo por uma tela. Já antevejo o momento em que o modo de piscar os olhos ou um olhar firme acionará a máquina de café ou o elevador, por exemplo. Isso me faz lembrar certos comportamentos dos nossos pais no século passad bastava um olhar severo deles para indicar reprovação a um atrevimento. Sem esquecer os incontáveis olhares que expressavam desejos inconfessáveis que encantavam a molecada na fase dos namoros adolescentes. Ah, quanta saudade dos olhares furtivos, cúmplices, misteriosos, apaixonados… Quando esses olhares estiverem devidamente traduzidos e convertidos ao meio digital, acabou, é o fim da era mecânica, podem dar adeus aos cadarços e às canetas. Essas últimas, aliás, estão quase se transformando em objetos “dinossáuricos”.
Fico preocupado com o aprofundamento e avanço do novo mundo técnico-informacional diante das necessidades mais básicas. Quem vai ensinar às crianças como se faz um laço? No meu caso, foi meu pai que me ensinou a amarrar os cadarços do sapato. Nesta função ele teve muita paciência com os filhos. Adestrar os dedinhos, segurar as pontas, dar o nó e garantir que não desamarrasse foram tarefas de várias manhãs. Ler um livro, usar corretamente garfo e faca, comportar-se à mesa, etc., demandam esforços conjuntos de pais e mães durante toda a infância. A civilidade não é um manual que se compra pela internet, muito menos se aprende com um olhar ríspido.
Andar na rua sem ser atropelado, respeitar as filas, apreciar uma obra de arte, dar um abraço em alguém, atravessar na faixa, usar corretamente o celular, além de outros milhares de atos cotidianos e imperceptíveis, apesar de tão banais e óbvios, são coisas que dependem de aprendizado coletivo, de convivência social. Muitas atitudes são transmitidas e ensinadas em casa; outras se aprendem nas ruas, nas escolas, nas bibliotecas, nos cinemas, nos museus, nos parques. Para quem se dispõe a compreender e acompanhar as transformações em curso, fazer a leitura crítica do mundo é algo imprescindível.
Renato Muniz B. Carvalho