Sempre admirei as caixas de ferramentas. Todas elas, as grandes, as pequenas, as de madeira, as de metal e até as de plástico. Quando adolescente, sobrou-me um dinheirinho da mesada que recebia dos meus pais e tratei logo de comprar uma, só pra mim. Apenas a caixa, depois compraria as ferramentas, conforme a disponibilidade de recursos e a necessidade.
Para que serve uma caixa dessas? Por que eu queria uma? Sei lá! Queria maior autonomia diante dos desafios da vida, queria consertar minha própria bagunça e os objetos quebrados, queria construir sonhos.
Que ferramentas eu deveria colocar na caixa? Se fosse possível adquirir todas, é provável que tivesse de comprar uma caixa maior. Foi preciso um longo trabalho de análise do mundo para arranjar, por compra ou doação, as ferramentas necessárias. As primeiras foram um martelo, sem dúvida, e um alicate. Eu tinha de quebrar, bater, unir e separar. Nada melhor do que um martelo. Com ele eu podia pregar e despregar, bastando para tanto ter os pregos do tamanho indicado e a habilidade de bater do jeito certo para não causar acidentes – como pregos voando por aí e madeira lascada, colocando a perder o trabalho. A serventia de um alicate eu descobriria aos poucos.
Devagarinho, consegui um serrote pequeno, uma torquês e um jogo de chaves – e descobri que existiam chaves de vários tipos e modelos, desde as tradicionais, chamadas de fenda, às chaves Philips, chaves Allen, estrela, de boca, etc. Fiquei maravilhado com tamanha variedade.
Ao perceber que eu levava jeito pra coisa e era possível consertar alguns objetos e construir outros, empolguei-me. Queria partir logo para furadeiras elétricas, serras tico-tico e outras ferramentas mais complexas. Controlei minha afobação, dei um tempo no meu entusiasmo e um alívio para o bolso. Foi quando percebi a potência que tinha uma simples caixa de ferramenta. De repente, nas minhas mãos eu concentrava o poder de corrigir injustiças, combater a tristeza e de criar coisas novas.
Comecei a juntar quinquilharias: pregos, parafusos, arruelas, pedaços de fio e, por último, arranjei um lápis de carpinteiro – para marcar, riscar, traçar meu rumo na vida. Aprendi a parafusar, onde cortar, serrar, bater um prego, apertar um cabo de panela, ajustar o ferrolho de uma porta, pendurar quadros na parede. Eu tinha todas as possibilidades à minha disposição. Seria o reformador de todos os continentes, pau pra toda obra, um revolucionário bem equipado. Onde houvesse um objeto a ser consertado, lá estariam eu e minha caixa de ferramentas. Inventei metáforas, sonhei com viagens e com uma sociedade mais justa. Mas, então, me deparei com um mundo onde não se conserta mais nada: um tempo de superficialidades e de objetos descartáveis.
Seria o fim da minha carreira? Guardei a caixa num armário de onde ela nunca mais saiu. Não consegui mudar o mundo. Mas sigo tentando.
Renato Muniz B. Carvalho