Ao chegar em casa no fim da tarde, a primeira coisa que ouvi foi: “Vamos caminhar?”. Sim, topei na hora. Passar o dia trancado numa sala é um suplício que ninguém merece. Que pecados meus antepassados teriam cometido para que eu fosse condenado a passar meus dias sentado na frente de uma tela, acompanhando o mau humor de infinitas responsabilidades? Deve ter sido algo muito grave. Deixa pra lá. “Vamos!”
“Vamos?”, ela indagou. “Sim, mas só se for agora”, retruquei, já sentindo o entusiasmo de descer pela tubulação rumo ao esgoto. E antes que a caminhada degringolasse, tratei de tirar o paletó — sim, eu trabalho de paletó —, afrouxei o nó da gravata e dobrei as mangas da camisa. “Estou pronto!”
Quem disse? “Pronto nada”, ela declarou, determinando os procedimentos a serem seguidos: “Faça o favor de trocar de roupa, se vista de modo apropriado ou vou sozinha”. Essa foi por pouco!
Claro, afinal, por que eu gastei uma fortuna com as tais “roupas apropriadas”? O hábito faz o monge, diria minha avó se fosse viva. E era bobagem argumentar a favor da economia de tempo e da praticidade, muito menos mencionar a preguiça, explicar que a roupa do trabalho iria para a lavanderia, etc. Lá fui eu trocar de roupa. No mínimo quinze minutos gastos para operar a mudança da água para o vinho, isto é, do sisudo burocrata empertigado para o descolado praticante da caminhada esportiva amadora. Isso existe?
Tênis de marca, com amortecedor de silicone aerado, anatomicamente projetado para pés cansados. Camiseta com tecido especial, capaz de afastar o odor desagradável da transpiração. Calça coladinha no corpo, compressão suave para garantir conforto e desempenho. Garrafinha d’água, chaves de casa, cartão de crédito, medidor de passos, celular. Quer mais? Ufa!
Pé na avenida, resolvemos parar na farmácia logo no primeiro quarteirão. Eu tinha de comprar um remédio. Saímos de lá carregando uma barulhenta sacolinha, cheia de frascos diversos. Para quem não sabia o que fazer com as mãos vazias, agora pelo menos uma delas estava ocupada.
Nem bem viramos a esquina e mais uma parada: na lanchonete de sanduíches naturais e sucos antioxidantes e diuréticos. Pedido feito, sentamos para observar os que caminhavam na avenida. E nós dois parados, sentados, comendo. Voltamos à caminhada.
A próxima pausa foi na lojinha de inutilidades de última hora e adereços desnecessários. Eu precisava comprar um presente para minha sobrinha, que faria aniversário na próxima semana. Para bom observador, a caminhada era apenas um pretexto. Seguimos em frente.
Foi quando nos deparamos com o estande de vendas de um empreendimento imobiliário. Muitas luzes, árvores grandes transplantadas — dando a impressão de que estavam ali faz tempo —, e muitas pessoas circulando, curiosas. Era inevitável parar e escutar os corretores de plantão. Acreditem: saímos para caminhar e quase compramos um apartamento. Pois é, caminhadas são perigosas.