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Canivetes, sexo e a maçã da modernidade

professor entra na sala de aula. O barulho aumenta e depois cessa, aos poucos...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 27/09/2015 às 11:42Atualizado em 16/12/2022 às 22:06
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O professor entra na sala de aula. O barulho aumenta e depois cessa, aos poucos. Diz “bom dia” e se dirige à minúscula mesa na frente da sala. Coloca aí suas coisas, diários, maleta, livros, uma maçã bem vermelha, aquela da Branca de Neve, a caixinha de giz e uma régua disciplinadora.

Estamos em pleno século XXI, mas a Era de Aquarius não virá mais. Agora, o ritmo impõe e supõe novos tempos, velhos templos, o reino da informática e a higiene geral. Os dirigentes garantiram computadores e tablets para todos os alunos. Esqueceram-se da luz elétrica, da água potável, das árvores lá fora, mas todos tiveram direito a seu instante de modernidade. Pena que os equipamentos de última geração e de alto custo estragaram fácil demais, que os pais e irmãos mais velhos ficaram com eles para outros fins, que ninguém estava preparado para usufruir da tecnologia e foi preciso voltar ao passado. Os meninos voltaram a brincar no recreio, a correr, a brincar de esconde-esconde, de pique-pega, de torrinha, de dominó, sem que ninguém soubesse o que fazer, se coibiam ou não. Alguns até ousaram namorar, às escondidas, é claro!

O professor inicia a aula. Coisa mais chata, mais óbvia, mais desinteressante! O conteúdo vem pronto, a apostila vem pronta, a prova vem resolvida, a fala é decorada, os gestos são ensaiados.

Até que uma faísca brilha no fundo da sala. Passou por ali um saci atômico, um menino levado, uma alma perdida, um inconformado com o futuro. Sem medir as consequências, um aluno invisível ousa: quer conversar sobre sexo, sobre política, sobre os imigrantes, sobre juros, cultura, cachoeiras, rock, drogas, maconha, amor, movimento LGBT, afetos...

Suspense!

Todos param o que estavam fazendo. O Joãozinho, que estava com uma pergunta pronta na ponta da língua, engole em seco. A Maria fica vermelha, de tão tímida. As amigas dela soltam risos nervosos. Uma delas sai correndo para chamar a diretora, o bedel, a psicopedagoga e o guarda da esquina.

O professor, que estava ditando a matéria, se vira, inspira longamente, coça a cabeça, angustia-se, olha bem nos olhos do perguntador, olha para todos, olha para fora, para dentro e se vira de novo. Apanha a régua disciplinadora, a maçã e vai até o perguntador, até o guerrilheiro imberbe, até o danado, o infeliz. Levanta bem alto a régua em tom de advertência e explica que esse tipo de conversa é inconveniente, inviável, proibido, desnecessário, ilegal, censurado, indiscreto... Se o aluno insistir, nunca será alguém na vida, não vai passar de ano, não vai se dar bem... Olha ameaçadoramente e lhe oferece a maçã.

Enquanto isso, no corredor, há uma cena de sangue. Dois alunos do sétimo ano brigam até a morte. Um deles desfere um golpe mortal no colega com um canivete afiado. Gritos, correria e não era intervalo.

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