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Carros demais

Renato Muniz B. Carvalho
Publicado em 06/05/2024 às 18:08
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No começo do século XX, eles eram uma novidade. Quando apareciam, assustavam bichos e gentes. Faziam muito barulho, eram esquisitões, coisa de excêntricos. Não havia estradas, postos de combustível ou oficinas especializadas. Ainda não tinham se transformado em ídolos, símbolos da modernidade, espécie de divindade adorada por uns e outros, como se tornariam depois. Tudo se agravou quando construíram templos para abrigá-los, facilitar sua existência e procriação. De fato, poucos ícones tornaram-se tão venerados, cultuados e receberam tanta atenção como os carros. Quer saber? Foi como se eles tivessem nos seduzido. E não foi isso?

As cores, o formato, o design, a potência, o ronco do motor, a capacidade do porta-malas, o rendimento, a velocidade… Ah, a velocidade! São considerados bonitos, úteis, rápidos, eficientes. Difícil encontrar alguém que não goste deles. Parecem cães fofinhos, gatinhos amorosos ronronando, passarinhos presos em gaiolas a quem permitimos dar uma voltinha para explorarem as redondezas. A melhor comparação é com cavalos de corrida: caros, paparicados, penteados, perfumados. Já sentiram o famoso cheiro de carro novo? Não é?

Tem gente que se apaixona por carros. Dorme com carros, vive nos carros, sacrifica-se por carros, coleciona carros, mata e morre por eles. Onde vamos parar? Não vamos. Não há mais vagas, as ruas estão cheias, os estacionamentos cobram o olho da cara. Casa boa é a que tem uma garagem ampla; apartamento chique é o que tem duas ou mais vagas na garagem e estacionamento para visitantes. Se dermos sorte, é onde vamos parar. Vamos parar? Vamos, pois os congestionamentos são cada vez mais frequentes, medem-se em quilômetros, em horas, compõem estatísticas, apavoram gestores públicos.

Aumentam os carros nas ruas e diminuem, proporcionalmente, os ônibus e os trens. Aumentam as bicicletas e as motos, mas a guerra é contínua, apavorante quando vemos os números de acidentes, as mortes, a aposentadoria precoce devido a traumas e amputações.

Que indústria fantástica! Contrata milhares de trabalhadores, movimenta a economia de um país, consome energia elétrica, petróleo, etanol, plástico e vidas. É uma máquina de moer gente, mas quem não quer um novinho, um só seu? Tem coisa mais relaxante do que lavar um carro num sábado de sol? Litros de água, cerveja gelada, som alto e muita espuma escoam pelo ralo. Sem perceber, tem gente capaz de passar a manhã toda nessa atividade. Se não tiver tempo, eles vão a um lava-jato, a um posto, tentam uma cortesia na concessionária. Quem quer passear por aí com o carro sujo? Dá-lhe propaganda!

Cuidado com buracos, pedágios, radares, multas, lombadas, esbarradas, mas não se estresse. “Não corra, papai”, era o que dizia uma propaganda dos anos 1970, como se carro fosse coisa apenas de homens. Pobres das sociedades que entraram nessa. Será que ainda dá tempo de investir mais em transporte coletivo? Em bicicletas? Em ruas arborizadas? Ou vamos mergulhar de vez no caos?

 Renato Muniz B. Carvalho

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