ARTICULISTAS

Casquinha de ferida

Renato Muniz
Publicado em 27/10/2025 às 17:57
Compartilhar

A casquinha começa a incomodar e a gente nem percebe. A primeira decisão é: “não vou ligar para ela; deixa coçar à vontade, afinal, sou um ser humano ou uma barata?”. A referência à barata é por causa da casca da dita cuja, aquela carapaça brilhante que se destaca de longe. Baratas nos remetem à sua casca e às suas antenas, antenas atrevidas cheirando tudo o que encontram pelo caminho. Não sei se servem para cheirar, mas dão essa impressão. Para não afastar desta crônica os leitores mais sensíveis, melhor buscar outras referências que não esse famoso inseto ortóptero. E não se esqueçam: evitem matar baratas. Além de ser antiecológico, corre por aí que o esmagamento de uma delas libera uma grande quantidade de bactérias, fungos e vírus. Por via das dúvidas… E ainda suja o chinelo, se esse for o instrumento usado na eliminação do bicho.

Voltando às casquinhas: imaginem uma parede cujo reboco velho começa a se desprender, soltando pedaços, pronto para cair. Dá vontade de cutucar e ir retirando aos poucos até a pele viva, isto é, até chegar no tijolo exposto. De onde vem esse estranho costume de meter a unha? De coçar, escarificar, sangrar até doer? Nesse instante, a gente interrompe o processo, mas o estrago já está feito. Era uma vez uma casquinha. Falando em casquinha, melhor a do sorvete. Mas vamos evitar comparações inconvenientes.

E os fios soltos nas roupas? Quem não puxa? A gente vê a ponta do fiozinho e começa a puxar, até arrebentar ou descosturar. A tal ponta solta incomoda — vai saber por quê. Não se pode deixá-la quieta? Está atrapalhando alguém? Sim, está. Incomoda, senão ficaria por ali mesmo. Acontece que o olhar é atraído para a ponta solta, o fio largado, inútil. Tem gente que perde o rumo, se distrai, se irrita, não trabalha, desvia o foco. Cadê a tesoura? Corta.

Pior do que fios soltos, rebocos podres ou casquinhas de ferida são as pessoas chatas, indecentes, que causam constrangimento por qualquer motivo. Sabe aqueles que acham que têm razão em tudo? Pobres de nós! Seja na política, no meio ambiente, na educação ou na saúde e em outros temas, mal entram na rodinha e, destemperados que são, metem o bedelho. Julgam-se sabichões, falam da guerra lá nas Europas ou na Faixa de Gaza como se por lá tivessem passado. Dão palpite sobre o aquecimento global sem nunca terem estudado o assunto; referem-se ao passado como se lá ainda estivessem, presos. Incapazes de olhar para a frente, seu bordão preferido é: “naquele tempo é que era bom!”. Falam de política como se fossem especialistas, estudiosos, leitores de livros, artigos, jornais e revistas, como se acompanhassem os grandes debates nacionais e internacionais — mas não. Evitem provocá-los: se contrariados, partem para a agressão. São como casquinhas de ferida — velhas crostas que não cicatrizam.

Assuntos Relacionados
Compartilhar

Nossos Apps

Redes Sociais

Razão Social

Rio Grande Artes Gráficas Ltda

CNPJ: 17.771.076/0001-83

JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por