Ler é fácil ou difícil? Creio que todo mundo já pensou nisso. Não é difícil, mas a leitura exige certas habilidades. Ler e compreender o texto lido requerem conhecimento de mundo e domínio básico da língua escrita. Não é complicado e ninguém deve desistir por causa de algumas dificuldades iniciais. A sociedade atual nos conduz em direção à leitura, de todo tipo, desde a placa com o trajeto do ônibus, o cardápio do restaurante, um contrato de trabalho, um romance e até uma mensagem colada num poste em uma rua qualquer.
Nos anos 1970, eu morava em São Paulo e fazia frequentes viagens entre minha cidade natal e a capital paulista. Oito horas de ônibus sem muitas opções, a não ser dormir numa poltrona desconfortável ou ler. Como eu costumava viajar ao menos duas vezes por semestre, li muit literatura brasileira, literatura estrangeira e o que estivesse à disposição; a época era de muita censura, entre outras limitações.
Penso nisso ao recordar meu primeiro contato com a obra de Julio Cortázar. Na época, o escritor argentino já era conhecido nos meios literários nacionais, mas tinha poucos livros traduzidos para o português. Muito exibido e confiante, eu achava que tinha condições de ler toda a sua obra.
Cortázar apareceu como uma novidade instigante; livros para estudar e debater, principalmente os de contos. Como eu não queria ficar por fora, peguei o livro “Bestiário”, o primeiro livro de contos do autor, de 1951, na estante do meu pai. Era em espanhol, mas não dei o braço a torcer e pensei: “Ora, espanhol é parecido com o português”. Com minha típica displicência adolescente, nem dicionário me preocupei em providenciar.
Ao final da estadia, coloquei o livro na bolsa, não sem antes ouvir insistentes recomendações do meu pai: “Não perca, não empreste, não dobre, não deixe cair refrigerante…”. Minha mãe, mais preocupada com o desfrute da leitura, achou que eu devia escolher outro livro.
Depois das despedidas de praxe, sempre emotivas, entrei no ônibus e aguardei o início da viagem. Torcia para que o passageiro ao lado fosse, no mínimo, silencioso e não fumasse – sim, naquele tempo era permitido fumar dentro dos ônibus. Assim que saímos da rodoviária, tirei o livro da bolsa, folheei e estimei: até São Paulo já teria terminado.
Que ilusão! No segundo conto apareceu a palavra “conejitos”. Que diabos era aquilo? Cadê o dicionário? Para piorar, “conejitos” em todas as páginas. Impossível prosseguir; foi uma decepção. Anos depois, descobri o significado. O conto é sobre um homem que se muda para um apartamento emprestado, em Paris – mas vou parar aqui, não quero estragar o prazer de quem vier a ler. A história é repleta de metáforas, sua leitura é uma aula sobre o assunto. Desde então, percebi que ler demanda mais do que vontade, mas o prazer proporcionado compensa o esforço.
Renato Muniz B. Carvalho