ARTICULISTAS

Conversas com um cachorro

Renato Muniz B. Carvalho
Publicado em 29/12/2025 às 18:54
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O diálogo não anda fluindo fácil, como seria de se esperar. É tanto desentendimento que, às vezes, é melhor ficar calado. Rixas políticas, polêmicas estéticas, visões irreconciliáveis e pontos de vistas opostos complicam as coisas, azedam relacionamentos. Para iniciar uma briga, basta uma palavra “errada”, citar um autor “errado”, expressar uma opinião “errada”, fazer um gesto dúbio e o caldo entorna. A divergência se instala sem nos darmos conta. Não tem nada “errado”, mas o que impera é a intransigência, o fanatismo, a intolerância. Muitos preferem se omitir, evitam se envolver e ter de escolher um lado. Já outros…

A escolha das palavras é uma tarefa árdua. Qualquer deslize vira confusão ou discussão improdutiva. Esquerda e direita, por exemplo. Estão por dentro? Outro dia, pensei até em carregar na minha inseparável bolsa a tiracolo um dicionário, um livro de história e um manual de filosofia. Depois, me lembrei de que com a ajuda do celular podemos acessar dezenas de dicionários. Ainda bem, pois o peso seria problemático para minha coluna. Enfim, se a mera compreensão das palavras e dos contextos fosse suficiente para evitar atritos, já seria um ganho.

Diante das dificuldades, decidi me dedicar ao diálogo com cachorros, tentar entender seu mundo, seus desejos, seus medos. Quem sabe se a compreensão de suas diferenças, suas concepções de vida, artísticas, literárias e políticas não traria ganhos ao nosso entendimento das sociedades humanas? Tá, cachorros não leem, ainda, mas vamos chegar lá! Tomara que, ao considerar a separação entre humanos e cachorros, eu não tenha cometido uma gafe. Alguns mais radicais podem achar que estou discriminando uns e outros, pois cães são gente também, na concepção de seus tutores. A esse respeito, é importante esclarecer que, antigamente, tutores eram chamados de donos. Na atualidade, é bom evitar autoritarismos ou discriminações e, assim, tomar os devidos cuidados para não tratar os animaizinhos como coisas. Nem como animaizinhos?

Deixa quieto! Vamos às tentativas de diálogo. Imaginem a cena: eu estava almoçando num restaurante qualquer quando chegou um cachorro aparentemente faminto. Ele olhou para mim, com aquele olhar que só os cães esfomeados têm, implorando por um osso da costelinha que eu degustava com torresmo. Dou ou não dou? Não era um cão esquelético, o pelo estava liso, mas o olhar… Tive de iniciar a conversa. Contou que a vida tinha melhorado bastante, já não eram recebidos com pedras e pedaços de pau ameaçadores ao vagarem por aí. Em certos lugares, tem até quem providencie uma vasilha com água. Eram tratados com mais compaixão e empatia.

Perguntei sobre o que eles, os cachorros, esperam para o próximo ano. Ele hesitou, mas foi logo dizendo que mais espírito crítico, mais serenidade e menos raiva (não estava se referindo à doença). Na sua concepção, se não mudarmos o mundo à nossa volta, a solidão virá, avassaladora. Fiquei preocupado.

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