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Crise da água. Crise de quem?

A palavra crise é rica em significados. Segundo diversos dicionários de etimologia

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 15/03/2015 às 11:45Atualizado em 17/12/2022 às 01:00
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A palavra “crise” é rica em significados. Segundo diversos dicionários de etimologia, sua origem vem do grego krísis, que se refere ao ato de separar, ou quebrar, e do latim: crisis. Também quer dizer decisão, julgamento, mudança, agravamento, momento difícil. A palavra “crítica” tem suas raízes etimológicas bem próximas, e um dos seus significados relaciona-se a uma situação em que a crise se revela. São amigas inseparáveis. Para quem gosta de estudar, de entender os fenômenos, tanto os naturais quanto os sociais, para quem gosta e faz questão de compreender a realidade, as duas palavras devem caminhar sempre juntas.

Mesmo trabalhando a nossa língua com flexibilidade, numa postura que leva a entender a sua dinâmica como um processo vivo, em constante transformação, cujo legítimo dono é o povo falante, creio na necessidade permanente de questionar os significados, os usos e suas manifestações. É nesse sentido que me vejo na obrigação de fazer a crítica da expressão “crise da água” ou “crise hídrica”. Ora, se não se faz a crítica, isso parece indicar que a crise é da água, isto é, a culpa pela situação crítica que estamos vivendo é da própria água. O que não leva as pessoas a se perguntarem quais as verdadeiras razões da pouca disponibilidade do produto. Ou a intenção é mesmo agir com incoerência, com má fé e jogar a culpa na ausência da chuva, ou no aquecimento das águas do Oceano Pacífico, dentre outras causas ditas naturais? Quem faz isso desvia o assunto de seu verdadeiro sentido e de suas responsabilidades. Se fosse alguém disposto a abusar da religiosidade do povo, atribuiria a irresponsabilidade a São Pedro, ou a alguma entidade mágica responsável por abastecer o planeta.

Prefiro raciocinar como uma pessoa que precisa de água no seu dia a dia. Prefiro pensar como uma pessoa que depende de água para sobreviver tanto quanto precisa de ar para respirar e continuar vivendo. Então, o que você faria? As respostas são um tanto óbvias: cuidaria da água, preservaria suas nascentes, não sujaria, garantiria sua disponibilidade num nível seguro. Correto?

Não é isso, entretanto, o que tem sido feito. No mínimo, há insensatez, o que, entretanto, não responde às razões da “crise”. Pois basta observar o que a realidade indica: desmatamento, impermeabilização, poluição, desperdício, ganância etc. Não quero acusar ninguém injustamente nem ser leviano, mas tenho certeza de que o cidadão comum não é o culpado, nem São Pedro, nem Tétis e muito menos Oxum.

A crise, portanto, é social, é política, é de um modelo econômico que desconsidera aspectos ecológicos, geográficos, biológicos e sociais, que não leva em consideração a biodiversidade, que minimiza os aspectos naturais, a complexidade do ambiente para favorecer interesses corporativos, econômicos e especulativos. Atribuir à crise um caráter hídrico é esconder sua real dimensão e escamotear as soluções que poderiam melhorar a disponibilidade da água para toda a população. Façamos a crítica!

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