Às sextas-feiras, quando ainda não tínhamos idade para assistir aos filmes proibidos para menores de 18 anos, nos encontrávamos para conversar sobre as voltas que o mundo dava. Após jantar, nos dirigíamos à praça da matriz. Cinco, seis, sete amigos… Alguns eram mais constantes, outros apareciam esporadicamente.
Alguém sempre levava um violão, comentava as notícias do Chile, as eleições na França, o que leu no Pasquim ou no Bondinho, e fazia elogios ao último livro do Rubem Fonseca. Aguardávamos ansiosos pelas novas músicas do Milton, do Caetano, do Gil e queríamos saber por onde andava o Vandré. Debatíamos quem era a melhor intérprete da MPB: Elis Regina, Gal Costa ou Nara Leão? Conversas intermináveis que se cruzavam interligando política, arte, comportamento e as perspectivas: as viáveis e as improváveis. Qual futuro nos aguardava? Diante de um regime fechado e retrógrado, haveria amanhã que nos interessasse?
Os debates, às vezes exaltados, seguiam noite afora. Alguém sempre achava Trotsky melhor do que Stálin e vice-versa. Sabíamos que a Guerra do Vietnã estava chegando ao fim com a derrota dos norte-americanos e que depois seria a vez da África se libertar do neocolonialismo…
A fonte luminosa já não jorrava luz nem água há muitos anos, mas lá estavam os canos entupidos e o esqueleto carcomido de algo que não fazia parte da nossa memória, partes enferrujadas de um tempo que não era o nosso. Na dúvida, sem saber se voltaria a funcionar ou não, melhor não nos sentarmos nas muretas do antigo laguinho. Por que a fonte não tinha água? A nascente secou? Ou fecharam para evitar que os mendigos se banhassem ali? Para evitar que os cachorros vadios bebessem a água da fonte?
Na rua de baixo, o movimento não parava. Às 22h, terminava a sessão de cinema e muitos iam à pizzaria, outros ao bar tomar uma xícara de café antes de decidirem seguir roteiros diversos. Na parte alta da praça, na torre da igreja matriz, o relógio nos lembrava das horas. Eram batidas melancólicas e insistentes, tentativas inúteis de regular a vida, mas às sextas-feiras não tínhamos hora para voltar pra casa.
A violência criminal estava restrita a esquinas escuras da cidade. Nas casas de família, a violência era outra: sutil, disfarçada e hipócrita. No mais, alguém pulava o muro de uma residência para furtar roupas, periquitos australianos ou uma carteira de dinheiro esquecida de forma displicente, dentre outras puladas de muro.
Ora ruidosos e falantes, ora silenciosos e pensativos, nos sentávamos nos degraus do Obelisco da Modernidade, comemorativo de uma data ou fato que não nos dizia respeito. A culpa pelo desconhecimento da história não era exclusivamente nossa. Nunca se discutiam assuntos contemporâneos em sala de aula. Por isso, a dificuldade com os vínculos, mal criávamos raízes. Assim que possível, iríamos embora. Não sabíamos para onde, apenas que tínhamos de ir.